Ao poupar Lula e fazer política junto ao Congresso Nacional, a maior operação contra a corrupção que o Brasil já viu corre o risco de perder o apoio popular.
Na esteira da popularidade conquistada pela prisão dos empreiteiros mais poderosos do país, procuradores da Lava Jato deram inúmeras entrevistas estabelecendo paralelo entre a maior operação contra a corrupção já vista no país e a Mão Limpas - a célebre operação italiana da década de 90 que, liderada pelo juiz Giovanni Falcone, derrubou a Primeira República.
Nas entrevistas, alertam os procuradores da nossa Lava Jato que seu maior temor é que aconteça aqui o que ocorreu na Itália: que as infundadas acusações de abusos e irregularidades acabem por macular a confiança popular e abrir espaço para aprovação de leis e recursos que salvem a pele de parlamentares e outros figurões investigados.
Sim, houve inúmeras tentativas de atribuir abusos e irregularidades à força-tarefa. Nenhuma delas, contudo, frutificou – ao menos, não o suficiente para arranhar o apoio popular conquistado inicialmente.
Desde que que a operação foi deflagrada, há mais de dois anos, a grande maioria da população não fez outra a coisa a não ser apoiar a Lava Jato e seus protagonistas. O juiz Sergio Moro, em especial, foi guindado à posição de novo herói nacional – com todos os bônus e ônus que tal coisa representa.
Nos últimos meses, porém, o que se percebe é que as maiores ameaças ao inconteste apoio popular que a Lava Jato recebeu desde sua primeira hora vem de dentro da própria Lava Jato. Em primeiro lugar, o tratamento privilegiado que a operação confere ao ex-presidente Lula. Em segundo, mas talvez não menos importante, a campanha 10 Medidas Contra a Corrupção, deflagrada pelos procuradores, inapropriadamente, antes que a operação tivesse chegado ao fim.
Caso não sejam rápidos em fazer uma correção de rota - ao menos naquele fator que ainda é possível sanar, a prisão do ex-presidente Lula – os festejados líderes da maior investida contra a corrupção que já se viu na história do país correm o risco de cair em descrédito.
A campanha certa na hora errada
Não há nada de condenável no fato de o Ministério Público Federal elencar uma série de medidas fundamentais para o combate à corrupção e pedir o apoio da população para que as mesmas sejam aprovadas no Congresso Nacional. O problema é fazer isso surfando na onda de popularidade de uma operação cujas investigações ainda não foram concluídas.
O resultado mais nocivo desta falta de timing, que pode ser interpretada como simples oportunismo, é que, de repente, lá estavam os procuradores da Lava Jato pedindo apoio aonde deveriam estar realizando investigações e prisões: o Congresso Nacional.
É inaceitável que, antes mesmo de concluírem uma investigação que pode levar muitos parlamentares à prisão, os procuradores tenham ido ao Congresso em busca de suporte para o que quer que seja. Como é que você, agente da Lei, pode pedir apoio hoje a quem pode estar interrogando amanhã? E como você faz tal coisa sem passar a impressão de que está barganhando favores?
Fique bem claro que eu não acredito que tenha havido qualquer tipo de barganha. A questão é “o que isso parece”? E, vamos combinar, se há realmente uma preocupação com a imagem da Lava Jato, o que parece, neste caso, é muito ruim.
Infelizmente, os danos que a campanha 10 Medidas Contra a Corrupção podem trazer à imagem da Lava Jato já não são mais passíveis de serem controlados. E se é verdade que eles ainda não vieram à tona – seguem, talvez, adormecidos no inconsciente da população –, também é fato que não tardarão a corroer os sólidos alicerces de popularidade construídos nos últimos dois anos. Principalmente se Lula seguir recebendo tratamento privilegiado.
Lula, o intocável
Sobram indícios de que o ex-presidente Lula deveria estar, há meses, vizinhando com o empreiteiro e amigo Marcelo Odebrecht na prisão. Os indícios espalham-se pelas manchetes de jornais. Não faltam, também, escárnios e desaforos diretos à operação – o mais célebre deles, a tentativa da então presidente da república, Dilma Rousseff, de nomeá-lo ministro para evitar que fosse decretada sua prisão. No entanto, Lula segue intocado. E assim segue por opção da própria Lava Jato.
Houve, é claro, inúmeras manobras externas para que Lula se mantivesse a salvo. Depois de sua frustrada nomeação como ministro de Dilma, ele permaneceu meses num limbo jurídico, gozando de um foro privilegiado ao qual não tinha mais direito, enquanto STF e PGR empurravam com a barriga uma decisão sobre o processo.
No entanto, em 22 de julho último ficamos sabendo, pela coluna de Fausto Macedo no Estadão, que o Juiz Sergio Moro poderia ter pedido a prisão preventiva de Lula em março por conta das conversas gravadas na operação Alethea. Não o fez porque não quis.
A revelação se deu em despacho no qual o juiz rechaçou os argumentos dos advogados de Lula, que alegavam sua suspeição para seguir à frente das investigações. O que informa Macedo, literalmente:
“O magistrado afirmou ainda que os grampos que pegaram o ex-presidente em março deste ano, na Operação Aletheia, poderiam justificar a prisão temporária de Lula, mas que na ocasião, acabou-se optando por ‘medida menos gravosa’, no caso, a condução coercitiva do petista.” (Clique aqui para ler a matéria na íntegra)
Detalhe importante é que mesmo a tal “medida menos gravosa” – a condução coercitiva – foi levada a cabo conferindo a Lula um privilégio que não fora dado a nenhum outro alvo da Lava Jato: ao invés de ser encaminhado à Curitiba, Lula foi levado para depor em uma sala da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas.
Na ocasião, o juiz Sergio Moro declarou que assim agiu para “evitar tumulto”. Cumpria, portanto, um papel que não lhe compete: a análise sociológica e política dos resultados de suas ações - quando elas devem ser pautadas tão somente pelo processo policial e jurídico. Em outras palavras: não é papel dos membros da Lava Jato conferirem tratamento diferenciado indevido a quem quer que seja tendo por base as resultantes sociais e políticas das suas ações.
A população sempre soube aquilo que vem sendo repetido, exaustivamente, por inúmeros delatores: Lula era o chefe da organização criminosa investigada pela Lava Jato. A população não tem dúvidas de que a Lava Jato só conseguirá extrair mais de Marcelo Odebrecht se Lula for preso. E a população começa, agora, a se perguntar por que a Lava Jato resiste tanto em realizar esta prisão.
É esta atitude, injustificada, de conferir a Lula um tratamento privilegiado, ao qual nenhum outro cidadão teria direito – como, de fato, não tiverem os demais investigados – que pode ferir mortalmente a imagem da Lava Jato junto à opinião pública.
No que se refere a Lula, seria melhor que a Lava Jato se inspirasse menos na operação Mãos Limpas e mais em Eliot Ness e Frank J. Wilson que, ante a impossibilidade de obterem provas para os grandes crimes de Al Capone, não perderam a chance de prendê-lo por um crime menor: a sonegação fiscal.
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Como se vê, o que ameaça a Lava Jato não são as tentativas – todas rejeitadas até agora – de atribuir-lhe abusos investigativos. Tanto a opinião publicada quanto a opinião pública se negaram a cair nessa artimanha.
O que ameaça, de fato, a maior operação contra a corrupção que o país já viu, é a própria Lava Jato. Primeiro, a inexperiência de seus agentes para lidar com meteórica popularidade e entender que não se faz política enquanto se investiga políticos. Mas principalmente a inexplicável insistência em tratar Lula como um cidadão privilegiado - e a relutância, dela decorrente, de mandar prendê-lo.