sexta-feira, 3 de dezembro de 2004

Carta ao arqueólogo do futuro.

Suposto e desconhecido arqueólogo,

Antes de mais nada , há uma primeira coisa que você deve saber sobre nós: no alvorecer do século XXI, tornou-se moda escrever para você.

Além de explicar o volume monstruoso de cartas e bilhetinhos que você tem encontrado junto aos escombros do que já fomos, esta estranha mania fornece algumas evidências a respeito da nossa civilização.

Denuncia, por exemplo, a nossa arrogância em pensar que seremos importantes o suficiente para que você procure desvendar o nosso passado. Mas demonstra, igualmente, a nossa crença na temporalidade de todas as coisas: ao que tudo indica, acreditamos que uma catástrofe terrível irá eliminar todo e qualquer registro de nossa cultura - de modo que você precisará de uma cartinha para entendê-la. A própria cartinha é, por outro lado, um testemunho de nossa credulidade: mesmo quando todos os bancos de dados forem consumidos pela tal catástrofe, a singela missiva sobreviverá.

Traçadas as linhas fundamentais que nos definem - a saber: arrogância, pessimismo e credulidade - resta lhe recomendar que rasgue toda e qualquer carta endereçada a você.

Em primeiríssimo lugar porque, longe de lhe fornecer informações corretas, elas pretendem divulgar um juízo de valor sobre a nossa civilização. De fato, não passam de um discurso construído demais, ideológico demais para servir-lhe de rumo.

Se quiser realmente saber quem fomos em toda a nossa complexidade, sugiro que você concentre todos os esforços para encontrar um exemplar de uma obra que fez muito sucesso entre nós. Presente em quase todas as residências, ela poderá lhe fornecer uma síntese segura e desinteressada a respeito do século XXI. Chama-se, "Guia de Programação da TV".

Estou certa de que, cedo ou tarde, você vai acabar se deparando com um.