Não é de hoje que o vitimismo tem se mostrado uma poderosa
estratégia para a “conquista de mentes e corações”. A trajetória de Gandhi está
aí para comprovar que a força deste recurso discursivo antecede o marketing político
como hoje o conhecemos. É uma força que reside, antes de tudo, na
universalidade da sua linguagem: todos somos capazes de reconhecer e simpatizar
com a fragilidade e vulnerabilidade humanas.
Não vou, aqui, me demorar sobre questões óbvias como a
construção de um discurso maniqueísta – do forte opressor contra o fraco
oprimido -, invariavelmente emitido em volumes que dispensam a agressividade e
abundam em melancólica condenação a sugerir mudanças. Também penso que são desnecessárias observações
sobre o importante papel desempenhado pela linguagem não verbal – de uma
imagética que, idealmente, inclui fragilidade física, gestual contido e
assexuado, bem como o uso de panos, mantos e outros trapos a cobrir o corpo.
Prefiro falar do quanto, durante seu período embrionário, tal
construção parece passar despercebida por gente com tino para as coisas da política.
Na maioria das vezes, os beneficiários da estratégia vitimista só passam a ser
encarados como tal depois que já ganharam peso político suficiente para
influenciar as urnas.
Confesso que me coloco fora deste distraído clube por uma
questão simplória e jocosa; um traço de personalidade: na vida ou na política,
detesto vitimismo. Sou do tipo que quando a amiga vem se lamuriar do marido
pela terceira vez já começo a ficar grosseira, sugerindo o divórcio. Logo, é a impertinência que faz soar o meu
radar interno sempre que vejo germinar uma liderança política com base em um discurso
vitimista.
Daí que, muito cedo, coloquei Marina Silva em meu radar. Ela
nem era senadora e eu já sentia eriçar os pelos da nuca ao perceber, em sua
trajetória, os sinais clássicos de uma estratégia vitimista: o
histórico de dificuldades, a fragilidade física sempre evidenciada, a voz
sôfrega a suavizar o peso de um discurso de conteúdo radical e, é claro, os
panos. Riam da força imagética dos “panos”
sobre o inconsciente ocidental todos aqueles que nunca se dedicaram ao estudo
da arte sacra.
Mas falar sobre e Gandhi e Marina Silva está fácil demais
por estes dias. Difícil é identificar em Osama Bin Laden as mesmas táticas,
direcionadas – fique bem claro – a objetivos totalmente diversos. Difícil é olhar para Yoani Sanchez, perceber
que a estratégia já vem em bom curso e arriscar-se a perguntar até que ponto é
consciente ou resultado de uma intuição poderosa.
Não, não penso que Yoani Sanchez é, como querem alguns
adeptos das teorias conspiratórias, agente do regime cubano. Também não duvido que,
como afirma a última edição da revista Veja, exista uma operação para
espioná-la em sua visita ao Brasil.
Para ser bem franca, nenhuma das duas coisas me interessam. Yoani Sanchez só me interessa porque percebo
em sua conduta elementos inconfundíveis do vitimismo enquanto estratégia de marketing
político. Seu discurso, que ultrapassou as fronteiras da internet para ganhar a
admiração mundial, é um lamurio triste a apontar problemas e injustiças às
quais parece não ter forças – espirituais ou físicas - para resistir. Seus
posts e tweets são permeados de sinais de que descartaria qualquer atitude
mais enérgica contra um regime reconhecidamente perverso e violento.
Por pior que
seja a situação relatada, não há um só pingo de revolta estridente, de bílis, no
discurso de Yoani. E o fato óbvio é que ela não seria laureada ou reconhecida
internacionalmente se mostrasse o fígado. O palatável, por esses dias, fala
manso; comove antes de seduzir; conquista pela fragilidade aparente.
É verdade que ainda
não vi – embora não tenha procurado – Yoani Sanchez envolta em panos. Mas também
é fato que os longos cabelos, por ora, lhe caem nos ombros produzindo efeito
similar. É preciso, ainda, reforçar o questionamento feito anteriormente: impossível
saber até que ponto o que está em construção é fruto de um processo intuitivo
ou de uma estratégia primorosa. Mas é
obrigatório aceitar que, como filóloga, a cubana não ignora por completo as
artes do discurso.
Admito que é com curiosidade quase científica, e um tanto de
divertimento, que venho acompanhando a trajetória de Yoani Sanchez. É certo que a blogueira
ingressará na vida política tão logo a oportunidade se apresente. E vai surpreender.
Principalmente aos que hoje lhe dão projeção a fim de atingir governos de
esquerda. Na melhor das hipóteses, arrisco
que estão ajudando a criar outra Marina Silva.