domingo, 16 de dezembro de 2012

O massacre de Sandy Hook: coisas que a TV não vai mostrar.



Bath, Michigan, 18 de maio de 1927: o fazendeiro  Andrew Kehoe mata a esposa, incendeia sua propriedade  e se dirige para a escola local. Ali detona duas bombas que plantara anteriormente, matando 38 crianças, seis adultos e a si mesmo. 

Desde então, inúmeros ataques semelhantes ocorreram em escolas americanas.  Entre os assassinos, estão dirigentes, pais, alunos, ex-alunos e, em alguns casos, gente sem qualquer envolvimento direto com a escola. Entre as armas escolhidas, encontra-se dinamite, bombas caseiras e, é claro, armas de fogo.

A proliferação deste tipo de crime, a repetitiva escolha do cenário escolar, o perfil dos criminosos e sua motivação inspiraram inúmeras pesquisas acadêmicas, sem que se pudesse chegar a uma conclusão precisa sobre aspectos determinantes que envolvem tais episódios. Nem mesmo a consagrada BAU, Behavioral Analysis Unit , unidade de análise comportamental do FBI, conseguiu bater o martelo sobre a questão.
 
Por isso, espanta a naturalidade com que a imprensa – especialmente a televisiva -  consegue chegar ao veredito cada vez que uma tragédia desta monta se repete: a culpa é do fácil acesso às armas de fogo. 

Na melhor das hipóteses, soa ingênuo. Na pior, parece fruto de um macabro senso de oportunidade, que impulsiona âncoras, entrevistadores e comentaristas a um despudorado aproveitamento político da tragédia. Usa-se o momento de perplexidade para triturar a Segunda Emenda da Constituição americana, que dá ao cidadão o direito de ter armas de fogo, e, na sequencia, difundir o discurso do desarmamento.  Neste afã, números significativos sobre criminalidade são esquecidos: enquanto no Brasil, terra da campanha do desarmamento, temos  um índice de 26,2 homicídios por 100 mil habitantes, nos EUA – terra onde quatro em cada dez cidadãos possuem armas em casa – o mesmo índice é de 4,6. 

Não se quer dizer, com isso, que a facilidade de obter uma arma não tenha papel importante neste tipo de episódio. Certamente tem. Mas não é o principal. E não é, certamente, o “gatilho” de tragédias desta natureza. As armas, vamos colocar cada coisa em seu lugar, surgem como método. Não como motivo. Uma vez decidido a operar um massacre, o psicopata parte para o planejamento – é neste momento que o fácil acesso às armas faz a sua parte. Mas não se enganem: uma vez decidido a matar, o psicopata faria uso de qualquer coisa – das bombas caseiras, cujas receitas estão disponíveis na internet, ao veneno de rato na merenda escolar, as opções são infinitas. 

A constante fundamental nestes crimes, não por acaso sempre esquecida pelos especialistas convidados pelas redes de TV, é outra – e muito mais ligada ao “gatilho” do que a facilidade de acesso às armas. A constante em casos assim tem sido a necessidade de fama por parte do psicopata; o desejo de causar uma verdadeira comoção coletiva, a determinada e louca vontade de ser, enfim, o ator principal de um grande drama televisionado – que não raro inclui ingredientes de vingança contra colegas, pais e professores.

É claro que a TV não é a fonte única de inspiração. Cinema, literatura e videogames já foram apontados como combustíveis para mentes psicologicamente abaladas. Mas o elemento da conquista da fama tem estado sempre presente nas últimas décadas.

Se a imprensa tratasse o tema com a necessária seriedade, o papel da televisão na proliferação deste tipo de crime - principalmente a partir de meados da década de 1960, quando as transmissões em cadeia nacional se tornaram rotina no cotidiano norte-americano - não seria ignorado.

Não se está, aqui, reivindicando censura. Nem mesmo o código ético informal aplicado usualmente ao suicídio. Obviamente, seria impossível não informar sobre um massacre desta magnitude. Mas é preciso explorá-lo com tamanha sanha? São mesmo necessárias as infindáveis transmissões?  Audiência vale tudo?

A questão, notem bem, é de honestidade: até que ponto podemos levar a sério os inúmeros debates televisivos sobre desarmamento enquanto não é dita uma única palavra sobre a influência da imprensa na inspiração destes episódios?

Entende-se o constrangimento. É realmente difícil imaginar que, em meio a uma tarde inteira de transmissão sobre o mais novo drama, a entrevistadora vá perguntar ao especialista da vez: “professor, e de que forma o que estamos fazendo no momento, essa extensa cobertura, pode inspirar novos massacres?”

Mas uma vez que tal postura não é adotada, seria respeitoso não colocar a questão das armas no centro das discussões, como motivação principal para este tipo de crime. Respeitoso com os telespectadores porque é mentira. E, acima de tudo, respeitoso com as vítimas e seus familiares, que não merecem ser explorados politicamente em momento de tamanha dor.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

De Roberto Jefferson para a posteridade


"Desde agosto de 2003 é voz corrente em cada canto desta casa, em cada fundo de plenário, em cada gabinete, em cada banheiro,  que o seu Delúbio, com conhecimento do seu Zé Genoino, sim!, tendo como pombo-correio o Sr. Marcos Valério - um carequinha, que é publicitário lá de Minas Gerais - repassa dinheiro a partidos que compõem a base de sustentação de governo, num negócio chamado mensalão. "

(Jefferson, Roberto, à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, em 14 de junho de 2005)

domingo, 28 de outubro de 2012

Ruim para São Paulo, bom para o Brasil

Raramente o que prejudica São Paulo, pode ser bom para o Brasil. Mas é exatamente este o caso do resultado das urnas neste domingo.


Por vias dolorosas, a perda da “joia da coroa” vai obrigar o PSDB a uma imensa renovação. Que já deveria ter sido operada quando José Serra perdeu para Lula, em 2002 – e não foi.  Que já deveria ter sido operada quando Geraldo Alckmin perdeu para Lula, em 2006 – e não foi. Que já deveria ter sido operada quando Serra perdeu para Dilma, em 2010 – e não foi. 

Agora, o PSDB se renova ou morre. 

Logo, a tragédia que se desenha para São Paulo poderá ser a oportunidade da década para o país.  A crise que permitirá surgir, enfim, uma oposição com condições de ganhar eleições presidenciais. Sem insistir nos mesmos candidatos, no mesmo marqueteiro, na mesma leitura errônea das pesquisas, na mesma tendência mórbida de entregar a agenda da campanha nas mãos dos adversários.

Não se enganem: a competência do “Pense Novo” gestado por João Santana tinha menos a ver com a idade de Serra e Haddad e mais, muito mais, com a fadiga material da imagem de José Serra. É óbvio que as qualis que antecederam o planejamento das campanhas apontaram isso – tanto para o PT quanto para o PSDB. 

Santana usou a informação com primor. O fato de Haddad ser jovem e, mais importante, uma cara nova para as urnas, foi fundamental. Mas a propaganda, começando pelo site e culminando com a linguagem dos programas, exalava o conceito do “novo”. 

No PSDB, decidiram não dar atenção ao aviso. Com a arrogância de sempre, subestimaram o adversário. Acharam que suas velhas e carcomidas fórmulas de marketing dariam conta do recado – mesmo quando a base delas, “a entrega”, a gestão de Gilberto Kassab, apresentava índices alarmantes de insatisfação.
O resultado se viu hoje. Péssimo para São Paulo. Promissor para país. 

Talvez, num futuro próximo, estejamos comemorando o fim das candidaturas decididas à mesa do Fasano. O fim do enredo de sempre, no qual um partido que deveria ser nacional impõem sempre os mesmos candidatos paulistas à presidência simplesmente porque é incapaz de fazer germinar lideranças em qualquer outro canto do país. Nenhuma delas, nos últimos anos, teve força contra os projetos pessoais do alto tucanato paulista. 

Pergunte a Eduardo Paes. Pergunte a Gustavo Fruet. Ou, melhor ainda, aponte uma notável e promissora liderança nacional do PSDB na faixa dos 40 anos.

domingo, 23 de setembro de 2012

Celso Russomanno: “eu sou você no poder”

Não há dúvidas de que a capacidade de promover engajamento e mobilização da Igreja Universal é enorme.  Mas não pode ser tão maior que o poder de “padrinho” Lula, o ex-presidente-operário com maior exposição na mídia que o país já viu, e seus altíssimos níveis de aprovação. Da mesma forma, o poder de popularização de um programa diário na TV é imenso. Mas não tão maior que o recall proporcionado por duas campanhas presidenciais como as que José Serra traz na bagagem.


O que explica o sucesso de Celso Russomanno é menos simples, embora constrangedoramente óbvio. Passa menos pelo poder de capilaridade dos obreiros da igreja e mais, bem mais, por uma construção discursiva que apela ao senso comum.  E o faz com tamanha competência que dificilmente poderá haver alguma mudança drástica no quadro eleitoral de São Paulo.  Ao contrário: no segundo turno, com mais tempo de TV, é bem provável que o sucesso deste discurso se consolide de forma irreversível já na primeira semana.  

Não é difícil perceber como as coisas chegaram a este ponto. Basta se despir da arrogância que costuma pairar sobre os QGs de campanha e lembrar que não há focus melhor do que o ibope da TV aberta.  Basta se desfazer dos muitos vícios adquiridos por quem é ou foi governo – os vícios advindos do profundo conhecimento da máquina e seus entraves – e reaprender a arte de fazer promessas. O sucesso de Russomanno pode, sim, ser um pouco humilhante para os experts de plantão. Mas nada tem de misterioso.

O que temos no primeiro ato? Russomanno na televisão, em defesa do consumidor. Ali, desde a época do SBT, ele construiu um capital simbólico poderoso porque palatável ao senso comum: o do homem simples que, uma vez que tem em mãos o poder de denúncia de uma câmera de TV, aponta injustiças e erros clamando por solução. As vítimas pertencem, é claro, a camadas populares da população.  As soluções são simples: Russomanno não faz nada diferente do que qualquer um de seus telespectadores faria se estivesse em seu lugar. Bate pé, diz que o problema precisa ser resolvido de uma vez por todas e, se preciso, chama a polícia.

No segundo ato, temos Russomanno candidato a prefeito, diante de uma câmera de TV, apontando problemas e apresentando soluções. O modelo é o mesmo do ato um.  O que Celso Russomanno faz como candidato é exatamente o mesmo que fazia como jornalista. Não houve a necessidade, e nem o risco, de que sua audiência tivesse que se adaptar a um novo Celso Russomanno, investido do papel de prefeito. Neste papel, ele segue fazendo o que qualquer um de seus telespectadores faria se estivesse em seu lugar: apresenta soluções simples, de fácil entendimento, ainda que de execução duvidosa.

Enquanto seus adversários se enroscam em explicações complicadas para resolver os muitos problemas de São Paulo – e ficam parecendo, aos olhos do povo, criaturas de má vontade -, Russomanno diz ao homem comum: “eu sou você no poder”.

O exemplo mais acabado desta estratégia discursiva é a promessa de aumentar o efetivo da Guarda Civil Metropolitana para 20 mil homens.  Enquanto seus adversários fazem contas para provar a inviabilidade da coisa, o homem comum se regozija com Russomanno porque, finalmente, alguém está prometendo fazer o que ele faria se fosse prefeito: colocar mais polícia na rua.

É simples, direto e palatável - como, ao fim e ao cabo, são todas as coisas nascidas do senso comum.  É impossível? Pode ser. Mas ganha eleição.

sábado, 18 de agosto de 2012

Eu tive um gato



Nasci em uma família que amava os animais. Com o pai e a mãe, exímia amazona, aprendi que eles mereciam respeito e admiração.  Mas, lá em casa, o animal de estimação por excelência era o cão.

É claro que sempre gostei de cães – sou do tipo que se apega até a rato de laboratório.  Só que eram os gatos que realmente me fascinavam. Talvez porque não os tivéssemos por perto. Ou porque ali, na casa da esquina, onde morava minha melhor amiga, eles marcassem presença em abundante vagabundagem.  Eram de todas as cores e pelagens, vivendo livremente e procriando como hoje já não se admite.  

Adorava vê-los tomando sol tranquilamente sobre os muros ou, endiabrados, tentando invadir o galinheiro da vizinha.  Ariscos, raramente nos permitiam uma aproximação. Por isso, a alegria suprema era quando uma ninhada saía, pela primeira vez, de debaixo da casa para a luz do sol. Aquelas pequenas vidinhas peludas, de olhos brilhantes, que se deixavam pegar e acariciar, eram o meu brinquedo predileto.

Mas foi só aos 27 anos, já casada e dona do meu próprio nariz, que decidi adotar um gato.  Foi numa sexta-feira em que, passando por uma pet-shop, vi um filhote de siamês na vitrine e pensei “eu quero”.

Não fiquei com ele.

No sábado pela manhã, aconselhada por um amigo – “pegue uma fêmea, pois elas são brincalhonas mesmo quando adultas” – fui a Porto Alegre para buscar Madonna.  Tinha 45 dias e era a única fêmea numa ninhada de seis. Um pequeno demônio, já que, segundo a moça do caixa, ela era “a alegria da loja” porque “surrava todos os irmãos”. "Mais minha impossível", concluí ao ouvir o relato enquanto aqueles olhinhos azuis me fitavam, cheios de medo e expectativa.  

Desde então, pela primeira vez na vida, eu tinha um gato só meu. E um blog inteiro não seria suficiente para descrever os últimos vinte anos deste privilégio.  

Brincalhona, sim. Mas companheira silenciosa e firme, ao lado do computador, nas madrugadas que atravessei estudando ou trabalhado. Manhosa, posto que foi gata de apartamento nos primeiros dez anos de vida, dormia enrolada aos meu pés. Caçadora exímia, já que, nos últimos dez, ganhou um amplo jardim com divisa para uma reserva ecológica, tinha o hábito de me presentear com suas vítimas. Corajosa, adaptou-se a quatro casas diferentes, venceu um episódio de felv em 2008 e, do alto dos seus 19 anos, ainda enfrentou uma última mudança.

Mas adoeceu de novo a minha companheira.  Desta vez, porém, os anos pesaram e já não houve a resistência dos outros tempos. Então, hoje pela manhã, ficou claro que era hora de cumprir a promessa tantas vezes repetida: não permitir, por um só minuto, que, depois de uma vida tão plena, ela sofresse por conta do meu medo de perdê-la.  

Sim, eu tive um gato. E como ele me fez feliz.

R.I.P.,  Madonna.

domingo, 1 de abril de 2012

O Rainbow Warrior e os novos olhos do império

(Este artigo nasceu de um debate sobre este outro aqui ).
     

     O Rainbow Warrior, famoso navio do Greenpeace, agora em águas brasileiras

De fato, nada na presença do navio Rainbow Warrior em terras brasileiras – ou no discurso ecológico europeu que a sustenta - é realmente novo sob o sol. Sua origem, contudo, não está nas conquistas europeias do século XVI e XVII, mas num movimento um pouco mais tardio.

Notem que não se trata, aqui, de um exercício de nacionalismo exacerbado. É muito mais uma questão de conhecer a origem das coisas para não se cair em cantos de sereias que são mais velhos que a própria crença em sereias.

O que hoje é ecologia, ontem foi ciência aparentemente – e apenas aparentemente - desprovida de qualquer interesse financeiro. O que hoje nos é apresentado como preocupação desinteressada pela preservação do planeta, ontem se apresentava como deslumbramento puro pelo nascimento de uma ciência universal.

Desde o início do século XVIII, ao sabor de um discurso cientifico, África e América se tornaram alvos de um novo tipo de investida europeia, que pretendia descobrir novas fontes de matéria prima para a emergente demanda industrial.

Em uma das melhores obras que conheço sobre o tema, “Os olhos do Império: viagens de transculturação”, Mary Louise Pratt dá nome a este novo impulso ideológico, de caráter científico, que legitimou ação europeia dos séculos XVIII e XIX sobre zonas coloniais: “anti-conquista”. 

Este novo discurso se contrapôs ao antigo sistema absolutista de conquista e libertou o imaginário europeu do caráter predatório e violento dos primeiros conquistadores para conferir às novas expedições um aspecto de inocente interesse científico.

Para Pratt, dois acontecimentos, ambos ocorridos em 1735, exerceram especial influência nesta ruptura cultural: a expedição La Condamine - primeira expedição científica à América hispânica, que pretendia definir o formato da Terra - e a publicação de O Sistema da Natureza, do naturalista Carl Linné.

Embora tenha fracassado em seu objetivo principal – seus integrantes permaneceram perdidos ao longo de uma década na selva americana - La Condamine resultou em uma série de relatos que popularizaram um novo personagem no cenário da colonização europeia: o cientista. Já a Linné, cujo sistema permitiu classificar todas as plantas existentes no planeta, coube o papel de transformar as zonas coloniais em espaços de trabalho científico.

Muito rapidamente, o sistema de Linné foi transposto para as demais áreas da ciência e, no embalo de novas expedições, financiadas por recém-nascidas sociedades científicas, a Europa ingressou numa febre de catalogação – que começa com proliferação das coleções particulares e culmina nos museus de História Natural. 

Nos bastidores, porém, explica Mary Louise Pratt, o que de fato acontecia era uma associação entre interesses comerciais e científicos: estudantes de Linné eram patrocinados por companhias de comércio ultramarino e membros de expedições promovidas por sociedades científicas europeias eram orientados, secretamente, a observarem fontes de matéria-prima e oportunidades comerciais.

Então, uma nobreza de intenções camuflava o fato de que espécimes de flora e fauna, segredos de  geografia e dados geológicos importantes eram catalogados para futura exploração mercantil. Da mesma forma que, hoje, o discurso ecológico abre as portas de nossa biosfera para toda sorte de ONGs sem que suas reais intenções sejam realmente conhecidas. 

Se não houve “almoço grátis” para os estudantes de Linné, é preciso ser inocente ao extremo para acreditar que o há, agora, para os integrantes de organizações que dizem estar aqui para defender aquilo que não lhes pertence. Não enxergar este ambientalismo europeu que nos quer tutelar como o que ele, de fato, é – uma versão pós-moderna do neocolonialismo -  significa colocar-se na posição da vítima que se deixa vitimizar repetidamente. É incorporar a insanidade como Einstein a descreveu: repetir determinada atitude na expectativa de que o resultado seja diferente.
  
Ter em mente que, para além do amor ao planeta, interesses menos nobres podem financiar tais ações é uma obrigação nacional que, com raras exceções, não é levada a sério por qualquer instância de poder: governo, justiça e imprensa vêm engolindo o discurso do “bom ecologista” tal qual europeus e americanos dos séculos XVIII e XIX haviam engolido o discurso do “bom cientista”. 

A ausência de qualquer resistência a esta pauta ecológica - e sua consequente força hegemônica junto à opinião pública nacional – ajudam a entender o fenômeno Marina Silva. Mesmo sem qualquer proposta concreta para pontos prioritários da agenda eleitoral – saúde e segurança – Marina Silva conquistou 20 milhões de votos na última corrida presidencial carregando, tão somente, o discurso da preservação de recursos naturais. Nem mesmo uma denúncia de extração ilegal de mogno a avizinhar-se de seu círculo familiar foi capaz de abalar a imagem de protetora da natureza. O fato é que, temerosos de macular tal imagem, quase beatificada, erigida com o apoio do ambientalismo europeu, imprensa e adversários evitaram erguer o véu para revelar os interesses internacionais sob o mito. 

Finalmente, retornamos à Mary Louise Pratt para observar que a retórica derivada das explorações científicas dos séculos XVIII e XIX, era, sobretudo, “um discurso urbano sobre mundos não urbanos, um discurso burguês e letrado sobre mundos não letrados e rurais”, que acabava qualificando qualquer formação social que fugisse aos moldes europeus – em especial, àquelas preocupadas, prioritariamente, com sua subsistência - como atrasada, infantil e incapaz de gerir seus próprios recursos. O que, em tese última, legitimava uma intervenção europeia.

Qualquer semelhança com o discurso ecológico que o chamado mundo desenvolvido, suas ONGs e seus representantes nacionais hoje nos impõem, portanto, não é mera coincidência – e muito menos novo. O que o Rainbow Warrior e o Greenpace nos dizem, tal qual nos diziam os relatos científicos de outrora, é que somos incapazes de cuidar dos nossos próprios recursos. Mensagem, aliás, replicada por todas as organizações internacionais que querem interferir sobre o modo como desmatamos, plantamos ou usamos nossos recursos hídricos.