sábado, 15 de junho de 2013

Por que eles vão às ruas? Um texto sobre retardo coletivo

A manifestação deste sábado em Brasília ilustra bem o que vem acontecendo em algumas ruas do país – inclusive, o que aconteceu em São Paulo ao longo desta semana.  Grupos de brasileiros estão indo às ruas sem objetivo algum, movidos apenas pela vontade de protestar.

A onda não é nova. Há tempos que vemos coisas assim ao redor do mundo. Os protestos “contra a globalização” oferecem, talvez, o exemplo mais bem acabado de manifestantes que vão às ruas movidos simplesmente pelo desejo de virar notícia e alentar a alma com a ilusão de que estão a mudar o mundo. Indiquem uma só vez que a tal da globalização sofreu qualquer abalo por conta destes protestos e aceito rever a afirmação.

No Brasil a moda até demorou a chegar. A jabuticaba levou algum tempo para brotar e gerar frutos.  E, embora a safra ainda seja tímida – exceto por São Paulo, o número de gente nas ruas foi, até o momento, bem mirrado – chega eivada daquele retardo coletivo que nos cai tão bem.

Os novos caras pintadas

O que querem os manifestantes de Brasília? Protestar "contra as obras da Copa” – a roubalheira, o superfaturamento, o fato de que há coisas mais importantes merecendo atenção do Estado, etc e tal.  Então lá vão eles, protestar “contra as obras da Copa” quando  elas já estão praticamente entregues.  Não o fizeram por ocasião da campanha que levou o Brasil a ser sede da competição. Também ficaram em casa à época do lançamento dos editais para as tais obras. Apresentam-se agora, como soldados que chegam ao front depois de assinado o armistício.

São os inúteis manifestantes de uma causa morta e enterrada, sem qualquer reivindicação que possa ser atendida.  Chances de que venham a impedir a realização da Copa – ou, vá lá, mais verbas para o que interessa? Zero. Utilidade do movimento? Zero. Índice de retardo coletivo? Dez.

Impossível não rir diante do ridículo que estes de Brasília se autodenominem “caras pintadas”. Querem se apropriar da força simbólica de uma das poucas manifestações de rua do país que surtiu o efeito desejado: a campanha pelo impeachment de Collor.

Alguém deveria contar a estes jovens imberbes que daquela vez deu certo não apenas porque havia um PT na oposição a insuflar e organizar as coisas. Havia, antes de tudo, um objetivo claro: tirar do poder um presidente corrupto. Havia, também, um indiscutível tecido de fundo a sustentar o apoio popular: aquele presidente confiscara dinheiro da classe média; desferira um golpe mortal contra o bolso, que é onde reside o coração do povo.

O fetiche da primavera

É, eu sei. Das muitas coisas que se tem dito sobre o que aconteceu em São Paulo ao longo desta semana, há a versão de que, a despeito do preço do transporte público, a volta da inflação seria o pano de fundo a sustentar o suposto apoio popular ao movimento. Não é.  Não chegou a um ponto crítico o suficiente para sê-lo.  E a verdade é que, até a polícia usar de violência, nem havia em São Paulo o apoio popular que querem nos fazer crer. Somente quando jornalistas e pessoas que não estavam na manifestação foram agredidos é que a população em geral passou a dar importância - à agressão;  não à causa difusa do protesto.   

Ocorre que tão descabido quanto a manifestação “contra as obras da Copa” é este movimento em São Paulo que se origina, vamos lembrar,  na esperança da “tarifa zero” para o transporte público- os tais R$ 0,20 começaram a aparecer nos cartazes só quando o ridículo da reivindicação inicial ficou evidente.  Chances de que a tarifa seja extinta? Zero. Utilidade do movimento? Zero. Índice de retardo coletivo? Dez.

Se quiserem mesmo ver um denominador comum nos manifestos da última semana - e enquanto escrevo há outro, também sem objetivo concreto, ocorrendo em Belo Horizonte -  sugiro que se debrucem no fetiche adolescente de criar uma versão nacional da primavera árabe. Isto, é claro, sem que se tenha, aqui, o objetivo de derrubar um regime opressor. Ninguém aqui quer derrubar governos. Na maioria dos casos a miscelânea de palavras de ordem é tamanha que  a imprensa tem dificuldades  para saber o que quer aquela gente reunida no meio da rua. 

Pois tudo  o que querem os nossos atuais manifestantes é criar um movimento via redes sociais – ponto bem importante do fetiche –, sem liderança definida,  que leve jovens às ruas para protestar contra... Contra o quê mesmo? Pouco importa.  O frisson está em mostrar que “saímos da frente do computador”.  O principal objetivo é emplacar imagens espetaculares na imprensa. E não precisa ser um observador muito atento para perceber a teatralidade com a qual os manifestantes de São Paulo se ajoelhavam diante da polícia -  ora oferecendo flores, ora mostrando o punho fechado -  buscando, de um jeito meio patético, repetir aqui cenas já consagradas pela imprensa em partes do globo onde ir às ruas é um papo mais sério.  

Filma eu

É verdade que encontraram bons parceiros para a empreitada. Com raras exceções, a imprensa mal disfarçou a euforia com a versão tupiniquim do espetáculo primaveril. Penso ser desnecessário dizer o quanto a ação policial - ao que tudo indica desproporcional em São Paulo - contribuiu para o show. Não há holofotes sem mártires. E sem sangue não há mártires para os holofotes. 

Esta lição nossos manifestantes já aprenderam. Nos últimos dias, arranhões bobos foram exibidos com a mesma pompa das lesões mais graves. Medalhas de uma guerra na qual a ausência de um inimigo claramente estabelecido acabou por transformar a polícia - única peça em jogo com papel definido -  em alvo principal. Tolice atrás de tolice.

“E agora, NG, você quer decidir como e por que vão às ruas os brasileiros?”

Deus me livre. Cada um vai às ruas pelos motivos que quiser. Se quiserem ir sem motivos, como agora, fiquem à vontade. Só não queiram me convencer de que está acontecendo algo importante no Brasil neste momento.  Porque este país tem problemas sérios demais para ficarmos criando teorias sociais – sim, houve isso - em torno do que não é mais que um desejo juvenil de fazer de conta que se está mudando o mundo.

Só há um aspecto que realmente me interessa nesta história: o debate sobre como canalizar a energia desta turma desmiolada para alguma causa importante e possível. Mas eu sou humilde o suficiente para reconhecer que esta é uma tarefa para feras da sociologia e da comunicação. A mim resta torcer para que, quando surgirem , tais feras estejam do lado claro da força. Porque se hoje esta turba não tem rumo, também é verdade que tem potencial.