Bath, Michigan, 18 de maio de 1927: o fazendeiro Andrew Kehoe mata a esposa, incendeia sua
propriedade e se dirige para a escola
local. Ali detona duas bombas que plantara anteriormente, matando 38 crianças,
seis adultos e a si mesmo.
Desde então, inúmeros ataques semelhantes ocorreram em
escolas americanas. Entre os assassinos,
estão dirigentes, pais, alunos, ex-alunos e, em alguns casos, gente sem
qualquer envolvimento direto com a escola. Entre as armas escolhidas, encontra-se
dinamite, bombas caseiras e, é claro, armas de fogo.
A proliferação deste tipo de crime, a repetitiva escolha do
cenário escolar, o perfil dos criminosos e sua motivação inspiraram inúmeras
pesquisas acadêmicas, sem que se pudesse chegar a uma conclusão precisa sobre aspectos
determinantes que envolvem tais episódios. Nem mesmo a consagrada BAU, Behavioral Analysis Unit , unidade
de análise comportamental do FBI, conseguiu bater o martelo sobre a questão.
Por isso, espanta a naturalidade com que a imprensa – especialmente
a televisiva - consegue chegar ao veredito cada vez que uma
tragédia desta monta se repete: a culpa é do fácil acesso às armas de fogo.
Na melhor das hipóteses, soa ingênuo. Na pior, parece fruto
de um macabro senso de oportunidade, que impulsiona âncoras, entrevistadores e
comentaristas a um despudorado aproveitamento político da tragédia. Usa-se o
momento de perplexidade para triturar a Segunda Emenda da Constituição
americana, que dá ao cidadão o direito de ter armas de fogo, e, na sequencia,
difundir o discurso do desarmamento. Neste
afã, números significativos sobre criminalidade são esquecidos: enquanto no
Brasil, terra da campanha do desarmamento, temos um índice de 26,2 homicídios por 100 mil
habitantes, nos EUA – terra onde quatro em cada dez cidadãos possuem armas em casa
– o mesmo índice é de 4,6.
Não se quer dizer, com isso, que a facilidade de obter uma
arma não tenha papel importante neste tipo de episódio. Certamente tem. Mas não é o principal. E não é, certamente, o “gatilho” de tragédias desta natureza. As
armas, vamos colocar cada coisa em seu lugar, surgem como método. Não como
motivo. Uma vez decidido a operar um massacre, o psicopata parte para o planejamento
– é neste momento que o fácil acesso às armas faz a sua parte. Mas não se
enganem: uma vez decidido a matar, o psicopata faria uso de qualquer coisa – das
bombas caseiras, cujas receitas estão disponíveis na internet, ao veneno de
rato na merenda escolar, as opções são infinitas.
A constante fundamental nestes crimes, não por acaso sempre esquecida
pelos especialistas convidados pelas redes de TV, é outra – e muito mais ligada
ao “gatilho” do que a facilidade de acesso às armas. A constante em casos assim
tem sido a necessidade de fama por parte do psicopata; o desejo de causar uma
verdadeira comoção coletiva, a determinada e louca vontade de ser, enfim, o ator
principal de um grande drama televisionado – que não raro inclui ingredientes
de vingança contra colegas, pais e professores.
É claro que a TV não é a fonte única de inspiração. Cinema,
literatura e videogames já foram apontados como combustíveis para mentes psicologicamente
abaladas. Mas o elemento da conquista da fama tem estado sempre presente nas
últimas décadas.
Se a imprensa tratasse o tema com a necessária seriedade, o
papel da televisão na proliferação deste tipo de crime - principalmente a
partir de meados da década de 1960, quando as transmissões em cadeia nacional
se tornaram rotina no cotidiano norte-americano - não seria ignorado.
Não se está, aqui, reivindicando censura. Nem mesmo o código
ético informal aplicado usualmente ao suicídio. Obviamente, seria impossível
não informar sobre um massacre desta magnitude. Mas é preciso explorá-lo com
tamanha sanha? São mesmo necessárias as infindáveis transmissões? Audiência vale tudo?
A questão, notem bem, é de honestidade: até que ponto podemos levar
a sério os inúmeros debates televisivos sobre desarmamento enquanto não é dita
uma única palavra sobre a influência da imprensa na inspiração destes episódios?
Entende-se o constrangimento. É realmente difícil imaginar que,
em meio a uma tarde inteira de transmissão sobre o mais novo drama, a
entrevistadora vá perguntar ao especialista da vez: “professor, e de que forma
o que estamos fazendo no momento, essa extensa cobertura, pode inspirar novos massacres?”
Mas uma vez que tal postura não é adotada, seria respeitoso
não colocar a questão das armas no centro das discussões, como motivação
principal para este tipo de crime. Respeitoso com os telespectadores porque é mentira. E, acima de tudo, respeitoso com as vítimas e seus familiares, que
não merecem ser explorados politicamente em momento de tamanha dor.
3 comentários:
Perfeito, NG
A cultura americana foi montada com as armas, o próprio massacre do povo indígena não deixa mentir, assim como os filmes de bang bang. Não acho certo você deixar de culpar as armas de fogo diretamente, quando na verdade o único propósito delas é para matar. Concordo que são vários fatores e variáveis a serem analisados, mas o foco é de amenizar um problema, problema qual está longe de acabar já que existem americanos que preferem ficar sem seus carros à suas armas. O acesso a armas de calibre alto é simples na terra do tio Sam, os fatores atenuantes devem e estão sendo analisados para reduzir, e lembre-se REDUZIR esse tipo de massacre, as armas é aonde o governo pode intervir. A TV sempre vai ser a TV. Mas pra mim o problema já não é mais ela, e sim a internet. Onde você encontra aulas de tiro e como fazer bombas. Sem falar na educação e criação que hoje está cada vez mais banal. Mas diferente de você eu acho que as armas tem um papel importante e o maior deles. O porte de uma arma, instiga confiança e poder. Qualquer pessoa que passar na linha de tiro de uma pessoa com o intuito de matar, vai cair no chão baleado. A Noruega que é um pais com a criminalidade muito menor que a dos Estados Unidos sofreu um massacre esse ano, o problema não é a criminalidade. São pessoas excluídas, discriminadas, socialmente pertubadas com problemas e desvio de personalidade. O foda é identificar e se antecipar a esses doentes mentais. Eu quando vejo uma notícia dessas paro e penso que se o assassino não estivesse armado, o número de mortes seria menor.
Esta é a melhor análise que já li sobre os "massacres escolares" nos EUA! Parabéns!
Vou divulgar na minha lista de contatos e recomendar seu blog.
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