segunda-feira, 4 de julho de 2005

Sou uma neanderthal tangendo bytes.

Eu acredito na honestidade, na democracia, nos conselhos de meu falecido avô e nas benesses de uma boa xícara de café. Hoje já não tenho dúvidas de que isso faz de mim uma neanderthal. Neste mundo onde tudo o que é bom faz mal à saúde, onde o PT relativiza o conceito de honestidade - e onde o melhor do que aprendemos, enfim, está sendo relativizado - sou uma espécie em extinção.

É nesta qualidade que me sento aqui, no cyber espaço do aeroporto internacional de Porto Alegre, para escrever-lhes. Só nisso, já sou obrigada a reconhecer as qualidades deste admirável mundo novo. Bastou ingressar no blog para que sumisse aquela sensação impessoal de aeroporto. Bastou ver a familiar programação visual e abrir os comments para que eu me sentisse em casa. Sentimento espantoso que, com certeza, vai tornar menos penosa a espera de um retorno físico ao lar.

Mas é paradoxal que eu me perceba, simultaneamente, tão pós-moderna e tão ultrapassada. Sou de uma geração que, junto com Renato Russo, perguntava-se "Que país é esse?". A mesma geração que achou o máximo ver um Lobão algemado tocar o hino nacional num solo de guitarra. Geração que assitiu à "Wall Street Poder e Cobiça" e "Uma Secretária de Futuro" assimilando que, também no capitalismo de roupagem yuppie, o crime não compensava. "Colonização cultural" era uma expressão sem qualquer sentido para nós, posto que lotávamos tanto os shows do The Cure quanto os do Capital Inicial ou do Legião Urbana.

Não poucas vezes, os jovens da década de 1980, por terem crescido sob a ditadura, foram considerados uma "geração perdida". Quem nos analisava por este prisma era aquela meia dúzia de gatos pingados que, tendo assumido a luta armada na década anterior, retornava beneficiada pela anistia. Não raro, eles aqui chegavam empunhando títulos de universidades mundialmente reconhecidas - o quê, por si só, parecia autorizar-lhes a tecer comentários sobre uma geração cujo desenvolvimento eles não haviam acompanhado.

Esqueceram-se de que, à despeito de qualquer cerceamento ocorrido em sala de aula, tínhamos uma família que nos explicava que estávamos vivendo em um regime de exceção. Projetaram pois, em nós, o isolamento e a falta de informação que pesava sobre si mesmos. E mal se deram conta do quanto o nosso deslumbramento com a liberdade de expressão e com o ingresso do país na pós-modernidade, colaborou para o florescimento do PT.

Sem armas ou seqüestros, estávamos - ao votar em governadores de esquerda e lotar os comícios pelas "Diretas Já" - fazendo uma revolução concreta e definitiva. Tão concreta que pudemos encerrar o mandato de um presidente mal escolhido. Tão definitiva que não hesitaremos em fazê-lo novamente, se preciso for. Louvável pensar que fazíamos isso curtindo Talking Heads - e não a mediocridade de um Geraldo Vandré.

Hoje estamos vendo quem é , de fato, a geração perdida. É aquela que, para cá voltando, não soube capitalizar honestamente o frescor e a disposição das jovens mentes brasileiras. Capitalizou-os maquiavelicamente, aparentando inocência e honestidade, a fim de montar um aparelhamento de fazer corar Joseph Stálin. E o mais interessante é que seguem nos subestimando, na crença de que não nos daremos conta de que mentiram, roubaram e corromperam a nossa política.

Pois a geração de oitenta tem um recado para a geração da luta armada: o sonho gramisciano chegou ao fim. Do alto da nossa bagagem cultural capitalista, democrática e globalizada, nós vamos derrubar vocês. Vocês estão perdidos.

Um comentário:

Eri Maia disse...

Gostei muito do seu texto ("Sou uma neanderthal tangendo bytes"), ele expressa em poucas palavras os desenganos de uma geração inteira. Mas não sei por que você se considera uma "neanderthal", a menos que goste da palavra (e ela é realmente muito bonita e sonora). Talvez "neanderthal" sejam os próprios petistas, mas não. Os verdadeiros neanderthais foram, como você deve saber, uma espécie de humanidade paralela que lutou bravamente pela sobrevivência durante toda a Era Glacial, mas acabou "ficando no caminho". Nada herdamos deles mais do que um ou outro gene.