quinta-feira, 27 de outubro de 2005

O beijo

Nino teve que esperar alguns segundos para se acostumar à penumbra do ambiente. Lá fora ardia o sol de junho. Ali dentro, a única claridade vinha de um pequeno abajur no canto da sala, cuja luz amarelada revelava o queixo e as mãos do homem sentado à escrivaninha de mogno.

O ambiente recendia a Cohibas. Muitos Cohibas.

Naquela voz rouca, inconfundível, Don Giovanni mandou que ele se aproximasse. Nino ainda olhou para Mateo e Carlo, como que aguardando o sinal afirmativo do segundo, antes de acomodar-se na cadeira. Diziam que a influência de Carlo sobre Il Capo era enorme.

Foi então que D. Giovanni começou a se explicar.

Nino fizera um bom trabalho com o jogo e a prostituição no Bronx. Hoje, ninguém mais lembrava dos tempos em que o bairro fora dominado por Blak Johnson. Agora a famiglia dominava todos os negócios escusos na região. E lucrava. Só o dinheiro que Nino arrecadava, a título de proteção, entre os comerciantes do bairro negro, garantia mais de 30% dos agrados de Dom Giovanni para a polícia nova-iorquina. Nino estava crescendo, ajudando a famiglia a lucrar, explicou Don Giovanni. E agora, quando a famiglia estava prestes a entrar em um negócio de proporções muito maiores, ele era o escolhido.

Depois de algumas baforadas, Il Capo anunciou:

- Nino, quero que você comande este novo projeto. É o maior projeto em que já nos envolvemos. Irá estender a área de atuação da famiglia para todo o país.

Meia hora depois, estavam acertados. E Nino mal pode conter a emoção quando Don Giovanni deu a volta na escrivaninha para abraçá-lo. Confirmação típica da cosa nostra, o beijo na boca selou o acordo.

Carlo esperou alguns segundos, depois que Nino saiu, para perguntar:

- Como será?

Don Giovanni ajeitou o suspensório antes de dizer:

- Quero um serviço limpo....Mas, antes, façam com que ele fale.

Carlo assentiu. Sabia bem quais eram as preocupações de Il Capo. Nino andara dando demonstrações de que poderia traí-los. Merecia, portanto, o beijo da morte. Antes, porém, fora preciso promovê-lo. A promoção levaria a suspeita para longe da famiglia.

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