segunda-feira, 15 de maio de 2006

Acertando o foco

Fico olhando as cenas de uma São Paulo refém do crime organizado - que em muito lembra o Rio de Janeiro de todos os dias - e não posso deixar de pensar que, em algum momento dos últimos trinta anos, perdemos a noção do perigo.

Parece que, ao sairmos ditadura, passamos a desconfiar daquela que é uma das prerrogativas do Estado moderno: o monópolio da violência. Desde então, dedicamos boa parte de nossos esforços na criação de leis que protegem o cidadão de possíveis abusos, por parte do Estado, no uso da violência. Mais do que isso: embalados pela lembrança de uma polícia política, acabamos por fazer da polícia em geral o alvo de boa parte dos nossos medos.


Este processo,que é até compreensível nos anos que se seguem ao fim de um regime ditatorial, ganhou mais força diante da injusta distribuição de renda que grassa neste país. Conscientes de um abismo social que só fez aprofundar nas últimas décadas, começamos a emitir discursos cada vez mais complexos a respeito da criminalidade.

Nossa incapacidade política de resolver tais questões sociais acabou por nos toldar a visão para coisas que são muito simples. Um sistema prisional falho, que não atende à condições mínimas para a almejada recuperação, colaborou para que perdêssemos o foco a respeito de quem é quem. Por exemplo: alguém com ampla ficha criminal nas costas é um bandido e ponto final. Desde que se lhe garanta um tratamento digno, seu único direito é cumprir, do início ao fim, a pena que lhe foi imputada. De resto, ele tem apenas deveres.


12 comentários:

jml disse...

Você tocou num ponto crucial - e o fez com rara sabedoria. Eu fico sem entender... Exemplos ? Como os há. Nos EUA, a menoridade não é assim absoluta. Parece que há algo a ver com um critério subjetivo, tipo ciência do ato praticado. Aqui ? Menos de 18? Não importa o crime (ou ato delituoso) praticado. No máximo, no máximo, internação (aplicação de medida sócio-educativa revista a cada 6 meses) até, excepcionalmente, os 21 anos, já que, a regra, é a aplicação do ECA até os 18. Como resultado, menores que praticam atos bárbaros em pouco tempo estão de novo nas ruas (veja aquele caso do casal morto que teve tanta repercusão e, hoje, ninguém mais se lembra - exceto as famílias dos que se foram...). Lá, o prisioneiro tem que ficar (lembremo-nos dos filmes) totalmente algemado, braços e pés. Aqui ? De jeito nenhum. Lá, contato só por telefone, através de um vidro, certamente à prova de balas. Aqui, contato pessoal, advogados acima do bem e do mal. Isto, lógico, é apenas uma gota num mar - de iniquidades... Fica difícil. E o resultado, estamos vendo diariamente. São Paulo é apenas um pouco mais forte...

Mãe Brasil disse...

Nariz querida,
Bom dia (?!...)
apesar de todos os pesares...
como sempre, você foi direto ao ponto: Bandido é bandido, e ponto final.
É preciso parar de romantizar a figura do bandido.
Outra coisa importante que gostaria que você falasse num post: Cadê o pessoal dos direitos humanos?! é onde estão eles para defenderem as vítimas dos criminosos?
Se alguém encosta um dedo num bandido, vem centenas de "defensores de bandidos" em nome dos "direitos humanos".
NUNCA vi aparecer alguém para defender as vítimas. Minha filha foi vítima de 3 assaltos, ficou com síndrome do pânico, e ninguém nunca nos procurou para oferecer ajuda.
Agora para ajudar bandidos, os advogadozinhos de porta de cadeia fazem filas, os "defensores dos direitos humanos" fazem fila...
Nariz, enquanto não pararem de defender bandidos, sem terras e congêneres, a situação será disso para pior.
E com que cara os nossos supostos "legisladores" podem acusar os criminosos, se são eles a maior quadrilha atuando no país?!
Com que cara acusam os policiais, que ganham salários miseráveis, para expor a vida todos os dias, enquanto os nosso abjetos políticos ganham fortunas, injustamente?
Ou mudamos as leis agora, ou brevemente será tarde demais.

Onde já se viu bandido ter celular?! visita íntima?! visita de jeito nenhum. Pão e água, bola de ferro no pé. E já é mais do que merecem.

beijão

Mãe Brasil

Filemon WildWood disse...

O caso de São Paulo pede sensata reflexão. Duas frases. Uma: os "bandidos" são ferozes, organizados, mas não jogam garrafas explosivas, não matam bombeiros; vejam o retrocesso no plano mundial... em nenhuma parte do Mundo, bandido ataca bombeiros (andam desarmados e morrem por todos). Segunda: a Comunidade Européia chama esses atos de terrorismo (ação comandada por organizações treinadas para a agressão social, provocar pânico, atingindo crianças, velhos, qualquer ser vivo). Alguns ataques a Postos Policiais ainda se admite como ação de um grupo de presidiários (um sistema que o governo não deu atenção). Mas, queimar ônibus, depredar bancos, propriedades, tudo lembra o que foi feito em 1964. É "guerrilha" na cidade. Ah, o Mundo todo acha parecido com "terrorismo" (ora, um grupo brasileiro se ofereceu para atacar pessoas indefesas em território boliviano?). Daí, tirem suas conclusões (sempre ações que tentam apagar denúncias de delitos graves, como o caseiro, as contas no exterior). Interessante, como o homem ficou nervoso? Pensem, são ações que se repassadas em preto e branco bem lembram a desordem de 1964. É tempo da Pátria receber a defesa de quem tem honra, coragem e treinamento para a sua proteção, o Exército e as demais Forças Armadas. Talvez seja necessário uma breve interrupção do pleno processo democrático para capturar os que conspiram contra a liberdade na democracia. As ameaças de grupos ilegais são assustadoras. Não tem como o homem comum se defender. É bom pensar! Será caso de Polícia? É caso de preservação da Soberania Nacional!

Miguel-D disse...

Prezada Filemon WildWood,
Gostaria de informar que infelizmente voce está enganada. Bombeiros foram atacados aqui em Paris durante os disturbios que ocorreram por aqui no final do ano passado, sendo que um foi morto.

Hoje, tudo parece tão distante... outros acontecimentos acabaram se sobrepondo.

Ousaria dizer que o mesmo vai acontecer em São Paulo. Os cabeças estão isolados e, imagino, sem poder se comunicar.
Pelo que tenho lido, muitos dos criminosos estão sendo executados...
Creio sinceramente que a situação volte logo ao normal

Nemerson Lavoura disse...

Hummm... Só uma coisinha: não parece o "Rio de todos os dias", não. O que aconteceu agora foi muito pior do que qualquer coisa já vista no país. No Rio ainda não há este poder marginal centralizado que o PCC demonstrou em SP. Mas esqueçamos as comparações e nos solidarizemos com SP.

Robson disse...

Olá NG,
Pode ser que eu venha a cometer sandices com minha escrita, entretanto é opinião pessoal. Esqueçamos comparações com EUA, Europa ou países da A.L.; nosso país, por sua dimenção e diversidade social já nos basta. Se dizem que "a verdade está lá fora", a realidade está dentro de nossas fronteiras e cabe a nós, Povo e governantes, lidarmos com ela. A colcha de retalhos a que chamamos Constituição deveria ser o Norte da nação, exalar uma base sólida dos direitos e deveres do cidadão e do Estado. Curta e grossa. Não o é. Mais parece um arrozoado de Leis para retardar uma revisão mais que necessária dos vários códigos legais. Pode-se passar daí para o Judiciário, cuja reforma ou reestrutura quando surgir já estará ultrapassada, dada a irrealidade de tempo entre os ritos e a dinâmica da sociedade. Cá entre nós, sem que ninguém nos leia, Justiça é tema de piada frouxa, tal a percepção de descrença que boa parte do Povo tem dela e de seus representantes(estes, em geral, com a arrogância de supostos semi-deuses); do Judiciário e sua reforma, ao obsoleto sistema prisional, nada digno e confiável. Poderia seguir falando sobre educação, moradia, saúde, emprego, aquelas coisas que nossos politicozinhos meia-boca sempre defendem em vésperas de eleição, mas que uma vez ocupando o poder ou o cargo a que se candidatou preferem trocar, em geral, por empreitadas, digamos, mais rentáveis a curto e médio prazo. Haveria ainda de citar um Congresso omisso e não compromissado realmente com os interesses do Povo eda Nação, mas sim com aqueles de seus partidinhos políticos, com seus conchavos e barganhas, com a produção de "pizzas" de caráter escuso e outras maracutaias que nos enojam. Quer me parecer que o Povo acreditou em uma possível democracia, mas ao longo dos anos, acaba constatando que cada vez mais paga seus caros impostos para se sentir cada vez mais abandonado. Talvez a letra da Lei mais clara, precisa e concisa seja o Código Penal. Está tudo lá. O que é crime, o que é contravenção, quais são as penas. Já a execução do que diz esse Código, vira um "samba do crioulo doido" por conta de ritos jurídicos, morosidade do sistema, poder econômico de possíveis réus, inadequação do sistema penitenciário, etc. etc. etc.
Mais uma vez nós, o Povo, nos sentimos impotentes e vulneráveis diante de tantas mazelas, seja com o Bem Público, seja com o resultado da "obra" daqueles que deveriam conduzir a bom termo os destinos da Nação e do Povo. Quem sabe se, diante da abundância de legislações por vezes contraditórias, se crie um Código de Defesa do Eleitor? Se mudarmos a Constituição, poderíamos até tentar implantar uma variação do regicídio africano dos tempos idos (onde um rei que não cumprisse com suas obrigações com seu Povo e sua Nação, era condenado à morte). Politicocídio? Talvez. Das duas uma: ou diminuiram os casos de corrupção e má governança, ou surgiriam políticos realmente confiáveis. Um Abraço.

Peregrino disse...

Nariz Gelado,

Perdôe-me por concordar com você, apenas, em parte. Não dá para debitar tudo à "injusta distribuição de renda". Não creio, nem mesmo, que essa seja a causa mais importante.

Esse argumento é o mesmo defendido pelos que alegam: o capitalismo é o culpado de todos os males. A esse respeito, no fim de semana assisti a um programa de televisão na TV Educativa, em que uma palestrante, portando uma camiseta com a inscrição "A Morte do Capitalismo" afirmava ser a violência resultante do fato de as pessoas deixarem de produzir "bens pelo valor de uso" para produzir "bens pelo valor de torca". Obviamente ela esqueceu (ou não sabe!) que difererentemente das sociedades à la Robinson Crusoé, os indivíduos não são auto-suficientes e, por isso, tem de recorrer às trocas com muito mais freqüência. Isto é, boa parte do está acontecendo tem, como uma das causas, o excesso de pesssoas competindo pelos mesmos recursos escassos.

Na verdade, grande parte (talvez a maior parte!) dos agentes da violência atual seja formada por filhos indesejados. Nesse contexto, melhor seria pensar de forma sistemática em planejamento familiar, em legalização do aborto assistido etc. Como estas são medidas que demoram a exercer efeitos, medidas que gerem crescimento econômico, são necessárias.

(N.G.: Pregrino, releia, por favor. Eu não atribuí tudo à "injusta distribuição de renda" - ao contrário)

Angelo da CIA disse...

Olá Nariz. Sobrevivi a este dia de caos( toque de recolher em minha cidade, às 20:00h parecia uqe era na verdade 04:00h da madruga ). Mas, o curioso de hoje mesmo foi o governo oferecer a tal ajuda da Força Nacional de Segurança. Depois passe no meu blog para você ver o porquê do governador e da Secretaria Estadual de Segurança ter se negado a receber tal ajuda. Simplesmente ,ela não existe.

recasampa disse...

NG

não foi apenas e tão somente a cidade de São Paulo - Capital - que ficou refém do PCC. Foi o Estado inteiro. Em Ribeirão Preto e região o toque de recolher ocorreu às 17 horas. Tudo foi fechado: todas as lojas, os shoppings, os escritórios. Não sabemos ao certo se ocorreram ou não as mortes anunciadas, o fato é: todos apavorados fugiram ou tentaram fugir para suas casas. ônibus foram queimados. Estamos refém do ESTADO totalmente despreparado. Não creio que seja culpa deste ou daquele partido político, como usarão nas próximas eleições. Isto é mentira! Estamos refém da falta de política. A Justiça cada vez mais privilegia os bandidos, e nos deixa à mercê da Justiça Divina ou da nossa própria sorte. Nada fazem. Talvez por serem comparsas.

vinivga disse...

Completando o que Angelo disse: Na epoca que lançaram com estardalhaço esta pseudo "Força de Segurança" duas policiais aqui do Estado do RJ foram selecionadas para este "grupo de elite" - tinham acabado de terminar o curso e eram bem bonitinhas, ficaram bem na camera durante a entrevista.

Pobres de nós.

F. Arranhaponte disse...

Boa, você colocou com serenidade e clareza o óbvio que 99% dos nossos intelectuais não enxergam.

(N.G.: Hei, Arranhaponte, seja bem-vindo!)

Jorge Nobre disse...

O que posso acrescentar? Quando estou de cabeça quente o que eu desejo é mil carandirus por dia, até essa gente ser exterminada. Mas quando estou de cabeça fria, Nariz, concordo com você.