quarta-feira, 17 de maio de 2006

A democracia sem ilusões

Volta e meia, alguém quebra o cadeado e solta o monstro.

Acontece até mesmo nas melhores democracias. Alguém joga aviões recheados de civis contra prédios também recheados de civis. Ou invade uma escola provocando a morte de 145 de crianças e uma centena e meia de adultos. Ou promove uma caça às forças de segurança de São Paulo, assassinando dezenas de policiais e também civis.

Grupos diferentes, motivações diversas, mesmo resultado: resposta violenta, rápida e indiscriminada por parte do Estado. E é justamente porque deve ser rápida, que a resposta é violenta e indiscriminada. Em casos assim, não há planejamento ou tática preventiva que consiga superar a capacidade do monstro no quesito "elemento surpresa": quando não surpreende na técnica e no momento de ataque, o monstro surpreende na intensidade do mesmo. Esta é uma situação em que o monstro planeja; o Estado simplesmente reage.

Da democracia, o povo espera que seja capaz de gerar um Estado que lhe proteja. Que seja rápido em devolver o monstro à jaula. "Como" é assunto para depois.

Sim, vou repetir: "como" é assunto para depois.

E é no depois - neste tempo mais tranqüilo, garantido pela rapidez do Estado em conter o monstro - que juristas, articulistas, e representantes dos direitos humanos farão suas análises. Necessárias análises, posto que apontam as falhas na ação do Estado. Seu papel é tão imprescindível para a democracia quanto aquele desempenhado pelo Estado no apogeu da crise.

É no atrito entre estes dois momentos - o da ação e o da análise - que se consolida a democracia. É dele que nascem novas leis - ou aprimoram-se as velhas. É precisamente deste atrito, que se originam novas formas de prevenção, novos cadeados para a jaula onde dorme o monstro e novos planos para que, da próxima vez, o Estado erre menos.

Tudo o que for gerado pela análise da crise, servirá para melhorar a atuação cotidiana do Estado e suas forças de segurança. É assim que a democracia honra os inocentes mortos - tenham eles caído por obra do monstro ou pelos erros do Estado ao combatê-lo.

Porém, pouco efeito terá o fruto desta análise da próxima vez em que o cadeado for quebrado e o monstro liberto. Será uma nova crise, com um novo elemento surpresa. Mais uma vez, o Estado agirá de forma rápida, violenta e indiscriminada.

Esta é, sem ilusões, a democracia possível.

7 comentários:

Caixa Preta disse...

" É no atrito entre estes dois momentos - o da ação e o da análise - que se consolida a democracia." (by Nariz Gelado)

VOTO NULO (atrito) É SOLUÇÃO :
Caso mais de 50% dos votos forem nulos, não haverá "sistema jurídico" ou “sistema político” que AGÜENTE O REPUXO. Ou tudo é anulado ou vira uma revolução (mais atrito).
Assim o povo mostrará quem manda e, conseqüentemente,criará as condições para fazer a REFORMA POLÍTICA conforme vontade do POVO.
O único objetivo é que o Brasil seja uma grande nação e que seu povo seja respeitado.
Caixa Preta

P.S. : meu apelido é uma alusão ( tô gastando hoje ) ao hermético "poder judiciário" ,ininteligível ao cidadão comum.

“O brasileiro não faz história, ele é um espectador”.
Raul Seixas.

(N.G.: Caixa Preta, você tem o direito de fazer campanha pelo voto nulo. Mas não use minhas frases para isso porque eu discordo totalmente desta campanha.Um abraço.)

Robson disse...

Olá NG ;^)
De pleno acordo.
É a democracia possível dentro da realidade existente.
Parte dessa realidade (in)crível, é a constatação da aprovação a toque-de-caixa (um dia!!!) de projetos de Lei engavetados a quase três anos!!! O que não se faz para tentar tirar da reta. A propósito de democracia, veja algumas considerações interessantes sobre o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 157 no seguinte site:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8093
(Caso seja impróprio a indicação do site, peço antecipadas desculpas)
Um Abraço

Marcos disse...

N.G.

Análise tão perfeita que deveria ser publicada nos maiores jornais do país. Quando o assunto é terrorismo, o Estado precisa agira com sua capacidade total de força. Depois juntam se os pedaços.

Caixa Preta disse...

NG,
Sinto muito, não foi está a minha intenção, em momento algum mencionei ou afirmei que você é a favor do voto nulo.
Apenas procurei, através de uma "análise da crise" e dos "atritos" inerentes a própria democracia, mostrar o meu entendimento sobre possível "ação" (voto nulo gerando atrito) para buscar, sem ilusões, a democracia possível.
Ademais, não estou fazendo nenhum tipo de campanha.Trata-se apenas de minha opinião, não tenho pedido apoio de ninguém.

Jorge Nobre disse...

Receio que a democracia possível esteja sendo sacrificada pela utopia impossível.

Renato Martins disse...

São Paulo, dizem uns, não é modelo prá nada há muito tempo. Puro preconceito. Preconceito é a falta de conceito. Conceito arduamente construido no laboratório da vida prática. Conceito que não tem de onde copiar. Que adapta o inexequível ao impossível e toca o barco. São Paulo hospeda Beira-Mar por falta de opção melhor noutro estado do Brasil. Constrói penitenciárias como nenhum outro estado. Recebe o maior fluxo migratório retirante do país. Mas, elabora a equação dos direitos humanos, orçamento, cumprimento das ordens do Judiciário e administra o inadministrável. A democracia externa faculta o surgimento do platônico déspota esclarecido intra grades que a exemplo do político ideal do mundo real aniquila o esclarecido e eleva o déspota garantidor. O PCC hoje, vive seu apogeu, fruto da lei e do não cumprimento da lei pelo Estado. As carceragens das delegacias foram extintas e a sequência desse sucesso asfixiada pelo superávit primário e a retenção de verbas federais. Sem muita lábia e negociação o sistema carcerário explode. Explodiu agora por sabotagem. Encerro. As forças contrárias a esse sucesso estão no Palácio do Planalto.

Muriu disse...

Parabens pelo artigo, lucidez, perspicacia... resumindo muita inteligencia.
Aproveitando, porque não se batalha pelo voto negativo? Escolher entre o melhor ou votar contra o pior anulando um voto recebido pelo safado?

(N.G.: Olá,Muriu. Porque a campanha para o voto negativo tem raríssimas chances de ser vencedora. Prefiro a campanha do voto útil: Fora PT!. Por isso. Um abraço)