segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

A quem interessa desacreditar o Congresso Nacional?

A regra é simples e reconhecida nos manuais básicos de história e sociologia: um Legislativo enfraquecido beneficia a governos populistas. Em outras palavras: o descrédito da classe política como um todo, colabora para a

ascensão, fortalecimento e manutenção de lideranças carismáticas, donas de um discurso de cunho populista, que exercem fascínio sobre as massas menos esclarecidas muito mais por seu poder simbólico do que por medidas que de fato beneficiem a estas camadas da sociedade.

A grosso modo, podemos dizer que é mais ou menos isso o que vem acontecendo no Brasil - o que explica, em parte, que Lula tenha sido reeleito a despeito de todos os escândalos de corrupção que assolaram seu governo. No geral, as pesquisas de opinião revelaram um raciocínio dominante entre os eleitores de baixa renda e baixa escolaridade: "Quem se importa que haja corrupção no governo Lula, se este é um mal endêmico da política nacional? Lula, pelo menos, está fazendo alguma coisa pelos pobres."

Logo se vê que, embora o quadro geral se encaixe no modelo apontado no primeiro parágrafo, há, no caso brasileiro em questão, alguns agravantes.

O primeiro deles diz respeito a uma verdade: sabe-se que, em termos de "comida na mesa", Lula fez, de fato, muito mais do que qualquer governante fizera, até então, pelas classes menos favorecidas. Que para isso ele tenha onerado o Estado de forma irresponsável e deixado de lado questões vitais como a infra-estrutura - e que a resultante disso tudo será um verdadeiro beco sem saída -, é tema que importa apenas a uma minoria esclarecida.

Saúde, educação e segurança estão terríveis - todos sabemos. Mas o eleitor de Lula não pode sentir falta daquilo que, na verdade, nunca teve. Ele, então, escolhe reconhecer as benesses que vem recebendo - pouco importanto se fruto uma relação clientelista, insustentável num futuro próximo . Eis o motivo pelo qual este " pelo menos Lula está fazendo pelos pobres" foi imbatível em termos de discurso eleitoral.

O agravante mais perigoso do caso brasileiro, porém, é a forma como se chegou à desvalorização da classe politica - a tal desvalorização que, segundo apontam os manuais de história e sociologia, é a base sobre a qual se constrói e mantém um governo populista. E é ela que está por trás da afirmação "Quem se importa que haja corrupção no governo Lula se este é um mal endêmico na política nacional?".

O subproduto do mensalão

Não, a classe política nacional não é santa - longe disso. Mas vamos combinar que o governo Lula conseguiu conspurcá-la mais ainda com o mensalão. A chegada de Lula ao poder coincide, pois, com a criação de um sistema criminoso e formal através do qual o Executivo corrompeu o Legislativo .

E o que fez o governo Lula quando as denúncias vieram à tona? Colocou sua base aliada para tentar livrar a cara de cada um dos mensaleiros. Pode-se aceitar que esta atitude tenha sido meramente uma forma de defesa - já que absolver os acusados implicava em não admitir a existência mesma do crime. Mas pode-se, também - e este é o meu convite a vocês -, aceitar que esta defesa tinha, como subproduto, um caráter discursivo de desmoralização da classe política.

As muitas pizzas que foram assadas, ao longo de 2005 e 2006, na Câmara Federal - sempre presidida, lembrem-se, por governistas - ajudaram, e muito, a enterrar a imagem dos parlamentares brasileiros. Enterro que, como já dissemos, só favorece ao fortalecimento da liderança populista encarnada por Lula. E se funcionaram tão bem para este fim, foi por dois motivos: primeiro, porque a nossa classe política não é mesmo flor que se cheire. Segundo, porque as absolvições foram acompanhadas de um discurso que colocava a todos em uma mesma vala comum. Foi o próprio Lula que, naquela entrevista desde Paris, no auge das denúncias, deu o pontapé inicial para tal discurso, dizendo que "o PT fizera apenas caixa dois, como faziam todos os partidos". Depois disso, foi um verdadeiro festival de declarações e inciativas que tinham por fim nivelar a moral da classe política por baixo.

Muito cuidado, pois, neste momento em que o Congresso Nacional resolve encerrar o ano legislativo com uma decisão que é, sim, um verdadeiro deboche. Ocorre que, como demonstrei acima, o Governo Lula tem sido pródigo em se aproveitar da frágil ética de nossos parlamentares, potencializando-a - ao mesmo tempo em que dela se distancia - para alimentar um discurso de desmoralização da mesma.

Foi este o roteiro que Ideli Salvatti seguiu, à risca, naquela famigerada reunião: votou a favor, permitindo a derrocada moral de seus colegas, mas manteve distância, dizendo que assim agiu por ver-se vencida pela maioria. E, coincidência ou não, na semana passada, na sessão plenária dos conselheiros federais da OAB, Alberto Zacharias Toron - que já advogou para Jorge Mattoso e João Paulo Cunha - apresentou proposta para a extinção do Senado Federal.

Protestar, pois, como bons democratas, exigindo que nossos parlamentares se comportem de acordo com a confiança que neles depositamos, é uma obrigação. Mas discutir a validade do Congresso Nacional é tolice da qual poderemos vir a nos arrepender num curto espaço de tempo.

8 comentários:

Ângelo da C.I.A. disse...

Desde o ano passado, uma AM aqui de São Paulo tem uma chamada que é o mesmo título deste seu texto: "A quem interessa desmoralizar o Congresso Nacional". Senão me engano é a Jovem Pan.

(N.G. interessante, Ângelo. Vou tentar encontrar a Jovem Pan de SP o n line para conferir.)

Cristal disse...

Nariz!!!

Muito mas muito bem colocado seu post.Há que se ter muito cuidado! Congresso desmoralizado e fechado é tudo que Lulla?PT querem.Estão seguindo à risca o projeto de poder de Lulla e Cia.Será que esses
congressistas estão hipnotizados? Abestados?
Não estão vendo que tudo que Lulla quer é essa desmoralização?Ou estou enganada e todos eles querem a mesma coisa que Lulla?PT?!
Como vc bem disse é uma droga mas é nosso.

J. Brasil disse...

O Lula/PT não tem nenhum propósito a longo prazo. O único propósito dessa turma é a
mordomia e o dinheiro fácil do poder, é
a mais fisiológica possível da política
brasileira de todos os tempos. Dos tempos idos,
da ideológia revolucionária, ficou só o gosto pelos prêmios do poder, maximizando Homero, o
lendário gregos, que dizia: " na cozinha do rei
tem fartura".

Aluizio Amorim disse...

Vc está certa, Nariz. Dia desses afirmei no meu blog que o Parlamento é uma instituição fundamental no regime democrático. Enquanto instituição, é perfeita. Quem a conspurca são os homens.

Soube? disse...

Pronto!
O PT saiu hoje em "defesa do povo" posicionando-se contra o aumento dos parlamentares.
Ocupou o espaço da oposição. E olha que deram muuuuiiitoooo espaço que não foi aproveitado.
Não tenho mais palavras suaves para denominar essa oposição. Burros, ineptos e imbecis!!!

Tambosi disse...

Compartilha essa preocupação. Quem fez a jogada suja do aumento na calada da noite? Os acólitos palacianos, o comunistão Aldo Saci Rebelo e ex-comunista Renan Calhau. Prefiro manter o Congresso, ainda que podre.
E quando até a santa madre igreja se assanha...hummm

Porta Torta disse...

Parabéns, NG, pelo post. Uma verdadeira aula de ciência política. Quem dera pudéssemos usufruir dessa lucidez nos poucos parlamentares honestos que elegemos. Enxergo que a tomada de poder federal do PT possui dois aspectos contraditórios mas organicamente imbricados: uma carapaça externa fanfarrona, histrionicamente representada pelo bonachão presidente e grupetos aloprados, que se revesam no palco da tragédia nacional fazendo um teatro burlesco para as massas; e vísceras compostas por um exército de líderes políticos bem doutrinados, maquiavélicamente imbuídos de objetivos e de uma visão de mundo bitolada de uma esquerda que já não existe mais, nada cômicos, do qual José Dirceu é o mentor e o próprio presidente faz parte (sua faceta séria, messiânica). Não acho graça nenhuma nessa visão, mas a reconheço como real e grave ameaça a um Brasil minimamente democrático. Teremos logo, ao menos retóricamente, uma guerra de visão de mundos. A doce passividade da oposição e dos cidadãos comuns com essa situação parece a simplória ignorância de destino que as vaquinhas apresentam em sua caminhada para um matadouro. Obriguemo-nos a nos indignar!Os mestres militares da guerra costumam recomendar: parapax, parabellum!

Claudia Nathan-SP disse...

Nariz, faz alguns dias que não leio nadica de nada sobre politica por sentir-me num beco sem saída. Discutindo em casa com minha mãe, eu contra esse aumento abusivo dos parlamentares e ela achando que isso nem era muito problema, o problema era ter o Congresso desmoralizado a ponto de uma hora o presidente poder fecha-lo... Isso me abriu os olhos. Ela tem razão. Acredito ainda que isso faça parte do "governo Lula". Então, concordo com quem escreveu por aqui algo assim: "quero um Congresso, ainda que podre".