terça-feira, 23 de outubro de 2007

Duas rachaduras

Posso estar me precipitando, mas... Parece - notem que ainda há dúvidas - que estamos prestes a viver um fenômeno interessante.

Quando nada deu certo...

Ao longo dos últimos cinco anos, estivemos amargando um quadro onde a hegemonia discursiva de uma esquerda jurássica - investida de todas as vantagens que a chegada ao poder lhe conferiu - não encontrou adversários à altura. Ou melhor: aqueles que assim se apresentavam tinham um poder de fogo - ou de alcance, como queiram - bastante limitado.

Do ponto de vista dos agentes políticos, então, é uma desgraceira só. Uma oposição frouxa, incapaz de transformar as vergonhas do primeiro mandato presidencial petista em rejeição eleitoral é o mínimo que se pode dizer. Lá, na linha do máximo que se pode dizer, temos sua postura conivente, sempre amancebada com vantagens pessoais e eleitoreiras, que acabaram por transformar o Congresso Nacional numa grande pizzaria.

A imprensa, por sua vez, a despeito de tudo ter noticiado e denunciado, saiu da última eleição com a incumbência de rediscutir seu papel enquanto formadora de opinião. Simplesmente porque lá, onde a fome e o analfabetismo são cabos eleitorais, sua voz não chega. E a verdade é que ela, a imprensa, está também às voltas com uma guerra própria: por um lado, precisa se defender dos ataques que lhe desferem, volta e meia, aqueles que estão no poder; por outro, precisa, por sua própria natureza, abrigar em suas fronteiras a diversidade. Nisso comete besteiras - e o episódio em que as grifes usadas pelos participantes do movimento "Cansei" se tornaram mais importantes que o próprio movimento em si, é exemplar.

Falando neles, os movimentos apartidários, promovidos por entidades civis nos últimos meses, deve-se admitir que têm sido igualmente decepcionantes. Simplesmente porque não conseguiram encontrar o tom certo, a voz correta, para mobilizar aquela parcela da população que, escandalizada com tudo que vê, não se sente representada por esta oposição que aí está. Faltou-lhes experiência, dizem alguns. Faltou-lhes competência para reconhecer que, se não tinham experiência, deveriam e ir atrás de quem tivesse, digo eu.

Mas este cenário escuro e sufocante viu nascer, nos últimos dias, uma rachadura por onde, parece, está entrando alguma luz e um pouco de ar puro. É coisa que começou pequena e, considerando o que declaram os próprios pais da criança, involuntariamente. Mas parece sinalizar que, enquanto os agentes políticos, a imprensa e as entidades civis estão falhando, a produção cultural pode estar prestes a operar uma reação.

É a cultura de massa, estúpido!

Tem muita gente tentando explicar o sucesso de Tropa de Elite. Pois coloquem todas as explicações no liqüidificador e verão que, no final das contas, o que resta é a rejeição a um discurso hipócrita que é característico da esquerda. Discurso hegemônico, até ontem, que foi rachado pela força, até certo ponto involuntária, de uma produção cultural de massa - ou que a pirataria tratou de transformar em fenômeno de massa, como queiram.

Quem observa revoluções culturais sabe que é exatamente assim que elas começam: uma obra aponta um caminho. Logo surge outra. Em seguida, outra. E, muito antes que o discurso hegemônico possa emitir uma reação, a coisa já tomou proporções incontroláveis. A esquerda jurássica aboletada no poder, e nos cantinhos empoeirados das redações, sabe disso. Por qual motivo vocês acham que Tropa de Elite está recebendo ataques a mais não poder? Observem quem ataca e já se apresenta a resposta.

"A NG enlouqueceu de vez", pensará - não sem alguma razão - o leitor. "Agora, por causa de um filme, vai postular que estamos às portas de uma revolução cultural?".

Não é exatamente assim, meus caros. Já não é mais "só um filme" - e faz algumas semanas que não é. Já não é mais uma só rachadura. São duas.

Estou acompanhando, na medida do possível, a novela Duas Caras. Não só a novela mas, sobretudo, a patrulha que seu autor, Aguinaldo Silva, vem sofrendo. As primeiras reações surgiram quando Aguinaldo ousou declarar que José Dirceu lhe servira de inspiração. Depois, ele foi acusado de apoiar, através de seu personagem "Juvenal Antena", a atuação das milícias nas favelas. Outro dia, foi esfolado por uma colunista de O Globo, porque criou cenas em que a imprensa é apedrejada - como se isto não fosse um retrato fidelíssimo da realidade brasileira. E desconfio que, nas próximas horas, outros ataques virão - um professor universitário chamado "Inácio Guevara" foi apresentado de forma nada edificante no capítulo de ontem.

Portanto, meus caros, não é mais só Tropa de Elite. Como eu disse na primeira linha deste longo artigo, posso estar me precipitando. Mas parece que alguns produtores de cultura de massa acordaram - e estão dipostos a promover uma pequena revolução.

No caso de Padilha e seu polêmico filme, pode ter sido involuntário. No caso de Aguinaldo Silva, certamente não é. Quem duvidar, que dê uma passadinha no blog dele. Desde a estréia de Duas Caras, o autor está mantendo um blog, onde fala de suas idéias e tenta se defender da patrulha. Vale a pena percorrer os posts mais antigos para saber o que Aguinaldo pensa de Che Guevara - ou de como ele foi assediado, na rua, aos gritos de "cachorro, safado!", por uma petista.

10 comentários:

Hugo Agogo disse...

De fato existem sinais de vida inteligente no Brasil. Lembro a amiga NG do sucesso de Diogo Mainardi e também de Reinaldo Azevedo, que certamente reflete a indignação da maioria silenciosa contra a filosofia esquerdista.

(N.G.: sim, HAGG. Mas aí, nestes dois exemplos, ainda estamos falando de um fenômeno de curto alcance - se considerarmos que internet e assinaturas de revistas são acessíveis apenas a uma pequena camada populacional. A boa nova é, portanto, que produções culturais de massa começam a levar este discurso - ou, no mínino, o questionamento do discurisnho hegemônico da esquerda - a rincões onde Mainrdi e Azevedo jamais chegarão. Beijos)

marcia1906 disse...

ng,
lendo você, me lembrei de uma cena de parque dos dinossauros, enquanto todos se surpreendiam e elogiavam a iniciativa do cientista de clonar dinossauros todos do mesmo sexo para evitar procriação fora de controle, um físico advertia que não iria dar certo, pq a natureza é incontrolável e pode até demorar mas, sempre arruma um jeito de seguir o curso natural.
acho que o mesmo fenômeno ocorre com a sociedade de uma maneira geral. ela, pode demorar, mas sempre encontra formas de fugir ao controle social ou cultural que tentam impor.

(N.G.: pois é, marcia. Mas seja na natureza, seja nas sociedades, é preciso que um primeiro indivíduo quebre o paradigma e apresente um comportamento diverso do restante do grupo. Bjs)

Ranzinza disse...

NG,

Desculpe-me o pessimismo, mas nada disto vai ter reflexos sobre a política no prazo de validade de nossas preocupações com o petismo.

(N.G.: depende... depende...Lembra do Collor? Uma burrada - o confisco. Um rabo - a Elba. Uma mini-série - "Anos Rebeldes".)

Arnaldo disse...

NG.

Não assisto a novela Duas Caras, mas assim que li que o Aguinaldo Silva inspirou-se na vida de José Dirceu e vi algumas chamadas da novela, fiquei com a impressão que a novela mostrará a verdadeira face da esquerda que está no poder.

A burrada pode ser renovação da CPMF, no lugar da mini-série a novela Duas Caras, só falta o rabo ( na verdade o rabo poderia ter sido a confissão do Duda Mendonça na CPI, mas a oposição deixou passar ).

Abraços.

Tunico disse...

NG, direta ou indiretamente, a Globo se vinga.E a vingança dela pode ser maligna, como dizia o personagem do Chico Anísio.

Star disse...

Boa noite NG, adorei seu texto e sua argumentação. Eu venho percebendo os sinais de mudança que você nos aponta, nós temos pressa, a esperança acabou e as mudanças são lentas, principalmente nos rincões desse país que ainda vive no século XIX. Mas tudo que vivemos fez germinar grandes talentos, você esta cada dia melhor.

Beijo

(N.G.: oi, querida. Obrigada. Bom "ver" você.)

Mãe Brasil disse...

Ai, Narizinho do meu coração! Deus te ouça! Deus te ouça!
Bendita sejam suas palavras!
Já estava passando da hora de começar uma virada, né? Ufa! Deus me livre! Não estava agüentando mais ver tanto comodismo.

A meninada saudável da Venezuela já botou o bloco na rua! Bravo, muchachos! Bravíssimo!
E os brasileiros que gostam tanto de imitar os outros, por que não copiam o bonito gesto?

(E por falar em copiar, Nariz querida, a petralhada tá assanhada, você viu?!
Querem fazer da terrorista-assassina-sequestradora uma "evita kishner" tupiniquim...
Olha, mais patético do que isso, não consigo imaginar, mas é bom ficarmos de olho. O aparelhamento está total.
Equação perigosa: lullanews + macedonews + população ignorante e inconsequente + "oposição" vendida a preço de banana = PERIGO!!! PERIGO!!!

Ai meu Deus! Nariz, que será de nós?!

Vou rezar.
Beijos e saudade

Mãe Brasil

Oliver disse...

PEDE PRA SAIR.
Não é de hoje que o “desmonte” desta esquerda cretina vem acontecendo, querida. Talvez o maior golpe que ela tenha sofrido foi o apear do Zé, nas entrelinhas. E é razoável supor que a classe artística se posicione mais claramente diante de tamanha canastrice. O problema é que a luz no fim do túnel pode significar a saída, mas também pode significar o trem vindo em sua direção, para lhe atropelar... O melancólico fim da era do apedeuta me lembra muito os últimos suspiros da era Ribamar; aquele que escrevia para as abelhas. Um passe livre para a saga collorida. Que a insatisfação já tomou proporções epidêmicas, disto eu não tenho dúvidas. Mas se servirá para uma iluminação política, isto eu tenho lá minhas desconfianças. Já desafiei outros blogueiros que você bem conhece a me mostrar UM ÚNICO cartel que tenha sido desarticulado em administrações plumadas ou democratas. Um só. E só o silêncio é a resposta. Então não temos em quem votar. É tudo da mesma farinha. O jeito é torcer para que o título de eleitor seja feito de um papel bem macio, pois o que pretendo fazer com ele nas próximas eleições pode causar hemorróidas, he he he.

julio moura disse...

ENTÃO quer dizer que RAMBO foi o indício de um fenômeno?

STALLONE COBRA foi outro??? E o que me diz de LÚCIO FLÁVIO, o PASSAGEIRO DA AGONIA??? Esse tipo de script que mistura VIOLÊNCIA POLICIAL COM FARDAMENTO AZUL dá IBOPE, principalmente na parcela marginalizada que pensa em ser alguém dentro de uma FARDA!!!!

(N.G.: caro Julio Moura, se você não sabe que a série Rambo foi a pedra de toque cinematográfica da era Reagan, não posso fazer mais do que lhe recomendar um cursinho de história cultural norte-americana. Como sempre, falta educação e sobra ignorância na sua petralhice)

Porta Torta disse...

Cara NG:
Pequenos sinais que andei detectando:
no elevador de um apart-hotel na região da Paulista, segunda-feira à noite, um grupo de rapazes da Medicina sobe para comer uma pizza e ver um dvd, TDE pela terceira vez!!!
Na mesma noite, o dono do boteco Real Bar da Cardeal Arcoverde comenta que irá ver o filme porque seus "meninos" estão falando que é bom. Até um pessoal drogadicto frequentador local andou falando que "a parada do filme é mesmo foda!" Horas mais tarde, o funcionário de uma banca de revistas 24 h, na praça Panamericana, matava o tempo da madrugada assistindo à fita... Para desespero das patrulhas esquerdóides, a coisa pode virar uma bola-de-neve com um filme, imagine com uma novela bem roteirizada de 100 e tantos capítulos!