sexta-feira, 25 de abril de 2008

Há vinte e tantos anos

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=kGGqFes_a8c&hl=pt-br]

Sim, eu sei: o nome do festival era Rock in Rio mas foi aberto por um Ney Matogrosso no seu melhor estilo Sapucaí. O clip de abertura, então, é constrangedor de tão bobinho.

Mas, ainda assim, vale a pena rever o vídeo que abre este post. Porque há nele algo de que tratamos de nos livrar nestes vinte e tantos anos. Não, eu não estou falando das cores cítricas, dos óculos brancos e do gel com glitter ... Falo do selo da Censura Federal - uma censura escancarada, da qual nos livraríamos em 1988, três anos depois do Rock in Rio I. Uma censura que tem dado inúmeras mostras de querer retornar - agora não mais explícita, mas através de constrangimentos e pressões.

Como eu já escrevi em outra ocasião*, sou de uma geração que, junto com Renato Russo, perguntava-se "Que país é esse?". A mesma geração que achou o máximo ver um Lobão algemado tocar o hino nacional num solo de guitarra. Geração que assitiu à "Wall Street Poder e Cobiça" e "Uma Secretária de Futuro" assimilando que, também no capitalismo de roupagem yuppie, o crime não compensava. "Colonização cultural" era uma expressão sem qualquer sentido para nós, posto que lotávamos tanto os shows do The Cure quanto os do Capital Inicial ou do Legião Urbana.

Não foram poucas as vezes em que nós, os jovens da década de 1980, por termos crescido sob a ditadura, fomos considerados uma "geração perdida". Quem nos analisava por este prisma era aquela meia dúzia de gatos pingados que, tendo assumido a luta armada na década anterior, retornava beneficiada pela anistia. Não raro, eles aqui chegavam empunhando títulos de universidades mundialmente reconhecidas - o que, por si só, parecia autorizar-lhes a tecer comentários sobre uma geração cujo desenvolvimento eles não haviam acompanhado de perto.

Esqueceram-se de que, à despeito de qualquer cerceamento ocorrido em sala de aula, tínhamos uma família que nos explicava que estávamos vivendo em um regime de exceção. Projetaram pois, em nós, o isolamento e a falta de informação que pesava sobre si mesmos. E mal se deram conta de quanto o nosso deslumbramento com a liberdade de expressão e com o ingresso do país na pós-modernidade colaborou para o florescimento dos partidos que hoje os abrigam.

Sem armas ou seqüestros, estávamos - ao votar em governadores de esquerda e lotar os comícios pelas "Diretas Já" - fazendo uma revolução concreta e definitiva. Tão concreta que pudemos encerrar o mandato de um presidente mal escolhido. Tão definitiva que não hesitaremos em fazê-lo novamente, se preciso for. Louvável pensar que fazíamos isso curtindo Talking Heads - e não a mediocridade musical de um Geraldo Vandré.

Hoje estamos vendo quem é, de fato, a geração perdida. É aquela que, para cá voltando, não soube capitalizar honestamente o frescor e a disposição das jovens mentes brasileiras. Capitalizou-os maquiavelicamente, aparentando inocência e honestidade, a fim de montar um aparelhamento de fazer corar Joseph Stálin. É aquela que, hoje, a fim de se manter no poder, não hesita em implantar uma censura velada, através de terrorismo virtual, demissões e ameaças.

Não se entusiasmem, contudo. Nós somos, sim, os pacientes e tranqüilos filhos da ditadura militar. Nossa tranqüilidade nasce da certeza de que nada dura para sempre. E nossa paciência, do entendimento de que sempre há um momento certo para agir.

Por fim, enfiem em vossos respectivos rabos este 1968, que vocês tanto querem comemorar. O ano, para nós, é 1988.

* Boa parte deste post é a reedição de outro, publicado em julho de 2005.

21 comentários:

Marcos disse...

Excelente post! O Maio de 68 realmente fez um estrago danado no mundo inteiro, não só no Brasil. É só olhar para a realidade das maioria de nossas Universidades... com uma formação destas, fica difícil imaginar uma guinada.
Resta a esperança como bem apontou. E vamos em frente.

Cristal disse...

MAGNÍFICO POST !!!!!!!!!!!!!!

PIERRE disse...

POXA NG!! QUE LINDO TEXTO !!! ESTOU INCLUIDO EM CADA FRASE E PARAGRAFO!! FALOU TUDO COM EXATIDÃO!!! SINTO HJ UMA GRANDE DESILUZÃO COM TUDO QUE SE PASSA NESSE PAIS!! TEM DIAS QUE PENSO SE VALE A PENA ME APROFUNDAR TANTO EM ASSUNTOS DE CERTA NATUREZA ! TEM HORA QUE PENSO QUE VALE A PENA SER ALIENADO , AI ME VEM UM VAZIO TÃO GRANDE !! PQ NÃO TENHO O PERFIL DE ALIENADO , NA DECADA DE 80 VIVI DE PERTO NOSSO MOVIMENTO NEW WAVE !! VIVI IN LOCO O RIO DESSA ÉPOCA!! LINDO TEXTO , PARABENS!!!

Jorge Nobre disse...

Para mim, o ano é 1992, o ano da queda de Collor.

Cida Fraga disse...

Parabéns Menina. Do alto dos meus 70 anos que viveu aquela época horrível Trecho simplesmente maravilhoso:
Hoje estamos vendo quem é, de fato, a geração perdida. É aquela que, para cá voltando, não soube capitalizar honestamente o frescor e a disposição das jovens mentes brasileiras. Capitalizou-os maquiavelicamente, aparentando inocência e honestidade, a fim de montar um aparelhamento de fazer corar Joseph Stálin. É aquela que, hoje, a fim de se manter no poder, não hesita em implantar uma censura velada, através de terrorismo virtual, demissões e ameaças.
Vou repassar até.

Walson Júnio disse...

Excelente, disse tudo e de forma que só uma mulher "fina" (que olhos verdes, huummm)poderia fazer.
Os que retornaram Nariz, não esqueça, são os que queriam transformar o Brasil numa Cuba (desde a vagal da Olga e seu falso marido Prestes em 1935).
Além das gordas "indenizações" continuam a ser as Elites editorais no Brasil (vide livros ideológicos).

Aliás, uma boa forma de ajudar o Brasil e os brasileiros, seria a DESCONSTRUÇÃO DOS MITOS DOS IGUALITARISTAS/SOCIALISTAS.
Abraços.

HighlanderSpirit disse...

Parabéns Nariz Gelado. Não vou dizer que este é seu melhor texto, porém, é um dos melhores.
Seu texto me fez refletir sobre os anos 80, também o vivi, também curti os mesmos shows,também sou da geração que viveu sob a bábarie da censura. Creio que o que nos aguarda, infelizmente é muito pior, pois naquela ditadura apenas a ideologia comunista era cerceada. Ir e vir, direito a propriedade, capitalismo, sequer era cogitado ser cortado.
Lembro-me também, que um filme de cinema demorava dois anos para vir para cá após lançado nos USA.
Enfim, parabéns pelo seu texto e estamos contigo para lutar, de verdade, para preservar nossa liberdade de opinião, crença expressão e principalmente para não termos gulags, e mortes por discordar dos detentores da verdade.
Á vc e ao Coronel, grande abraço. Estamos todos unidos nestas trincheiras.

Flávio Lemos disse...

Belo texto, NG. Me identifiquei totalmente. Quando eu participava de passeatas e protestos contra o governo militar na UnB em 1982, eu já percebia que eu não tinha nada a ver com meus colegas que usavam camisetas do Che Guevara.
Agradeço você ter mencionado o nome de minha banda, o Capital Inicial. Fiquei lisonjeado.

(N.G.: lisonjeada fico eu, Flávio. Se for até a entrada do nosso portal, o Apostos, você vai ver que a chamada para o artigo é um trecho de "Fátima".)

Joaquim Mitchel disse...

Cara e doce NG
Estava eu lá, 1985, 1o dia, Rock in Rio 1 assistindo a ACDC! Eu, com 13 anos, todo feliz, pois meus pais deixaram que meus primos me levassem ao mais importante evento da música mundia! Nossa, quantos anos, quantas lutas e quanta diversão estes anos nos reservaram. Quão diferente somos daqueles jovens que fomos em 1985! Mas quanto ainda gardamos deles!
Viver e reviver estes anos, onde os Paralamas estavam comessando, onde James Taylor tocaria na sapucaí no final do ano (eu tb fui) e outras bandas nos embalariam nos anos vindouros...
Este post trouxe-me de volta a uma época onde o peso da responsabilidade não estava ainda sobre meus ombros, um tempo de alegrias e tranquilidades, apesar de viver sob uma ditadura.
At
JM

túlio disse...

So tonight we gonna party like it's 1999.

(N.G.: It depends... Can I take my Coronel? rsrsr )

Oigres disse...

apesar dos momentos, as BrOis que temos de enfrentar, teu texto nos tras lembrança de que não devemos deixar de estar sempre vigilantes.

Empulhator disse...

Eu freqüentei Woodstock com -8 anos de idade...
Quantas Lutas! Quantas Maravilhosas Diversões. Como sou especial!

(N.G.: Deixa eu adivinhar... Você voltou de lá a pé e só chegou agora.)

Carlos Pepezlegal disse...

Putz , Nariz .. Talking Heads ??!

Não sabia que voce também era fã deles. Tive o privilégio de assistir 2 shows deles nessa época, um deles com a participação da Laurie Anderson, lembra dela .. ??

E também de ter jantado ao lado deles num restaurante chinês de terceira categoria, quando já eram famosos .

Que delícia de post, amiga. Estamos ficando cada dia mais jovens, e com idéias cada vez mais modernas .. não é verdade .. ? rsrsrrsrs

Beijo. Pepe

(N.G.: Pepe, você é podre de chique, né não? :-) Como diziam lá na minha querência: "pisa na cabeça da barata" KKK. Querido, acho que nos idos de 80 todo mundo era fã do Talking Heads. Beijo.)

Marcelo Alves disse...

Caramba! O Selo da censura! Lembro até do nome de um cara que assinava: Coriolano de Loyola Fagundes!! Célebre censor. Por onde andará?
Faz umas duas semanas Zuenir Ventura foi entrevistado no Roda Viva e lá veio todo aquele papo de 1968... Uma chatice, toda a bancada era de saudosistas do "meia-oito". Quando este pessoal vai nos deixar em paz?

Gravatai Merengue disse...

Ei! Valeu pelo apoio, Nariz :)

E deus salve a América do Sul

(N.G.: de nada Gravataí. :-) Fiz por todos nós. Apareça sempre. Gente que debate com elegância é sempre bem-vinda aqui).

Adalberto Braga disse...

... Já faz tempo
eu vi você na rua
cabelo ao vento
gente jovem reunida...
-BELCHIOR em COMO NOSSOS PAIS.
Nós nascemos num céculo que não teve, não tem e nunca terá comparação. As Guerras ainda tinham importância, hoje são banalidades, as tecnologias eram desenvolvidas e eram postas em funcionamento, hoje a tecnologia só tem aplicabilidade midiática, logo após ser divulgada já está obsoleta sem mesmo ter aplicação prática.
Nós do século 20 acabamos com o petróleo, com as focas, as baleias, jacarés, tartarugas, bla, bla, bla.
A expressão "na década de (tanto)" não necessita de acompanhamento nem do milênio e nem do século, exatamente por ser do único século que realmente vai fazer a diferença na grande tragetória da humanidade. O século 21 comessou na década de 90 do nosso século e já não se fala mais nele.
Portanto década de 20, década de 30, década de 50, uma variação, os anos 60 e por aí vai.

Paulo Teixeira disse...

dá-lhes Nariz;.;;;;
pra você um link pra lá de bom...
http://oitentona.oi.com.br/

(N.G.: grande dica, Paulo. Muuuito bacana)

humberto sisley disse...

gostei muito,considere-me a partir de agora como um fã.

Aluizio Amorim disse...

Nariz: vc pegou bem toda a coisa neste artigo. Post excelente! Texto como este não se vê e nunca se viu na grande mídia, embora tenha qualidade para lá estar. E é por isso que os blogs crescem adoidado, embora a grande mídia e seus jornalistas amestrados continuem se negado a reconhecer que a internet é uma nova mídia. Diria que a internet está na adolescência, mas já com um sotaque adulto. Abraço do Aluízio Amorim

Anonimo disse...

Infelizmente, para cada lembrança existe um esquecimento. Ou, tudo aquilo que não é noticiado e não sabemos, existe?
Dessa série, ao mesmo tempo em que é verdade que muitos jornais foram censurados, também o é que praticamente todos esses jornais apoiaram e se beneficiaram, de uma maneira ou outra, com a ditadura. Basta a esses mesmos jornalistas, fazerem uma pequena pesquisa na história de seus jornais e proprietários.

Daniel disse...

Tal censor comentado aí em cima , de nome Coriolano de loyola consta também no acervo da luta contra a ditadura , e assim como muitos dos quais não temos conhecimento algum , teve seu posto caçado pela ditadura atravéz de falsas acusações da imprensa, falsas pois foram vergonhosamente desmentidas.