quarta-feira, 27 de maio de 2009

Tomada

Segue, abaixo, matéria da Folha De São Paulo de hoje sobre a suposta prisão de um suposto membro da Al Qaeda, anunciada, ontem, na mesma Folha, pelo colunista Jânio de Freitas. Os grifos são meus.

Daqui a pouco eu comento.

PF investiga estrangeiro por racismo na internet

A Polícia Federal manteve preso por 21 dias o libanês K., comerciante de equipamentos de informática que mora em São Paulo, sob suspeita de que ele propagava na internet material com conteúdo racista.

Na edição de ontem da Folha, o colunista Janio de Freitas informou que um integrante da alta hierarquia da Al Qaeda tinha sido preso no Brasil.

O jornalista escreveu que, para preservar o sigilo, a PF atribuiu a prisão, inclusive internamente, a uma investigação sobre células de neonazistas.

O comerciante nasceu no Vale do Bekaa, no Líbano, é considerado "estrangeiro permanente" no Brasil e tem mulher e filha brasileiras. Ele foi preso em 25 de abril por ordem do juiz da 4ª Vara Federal Criminal, Alexandre Cassettari.

A ordem de soltura foi dada pelo mesmo juiz no último dia 18, por entender que a prorrogação da prisão já não era mais necessária para o andamento das investigações no Brasil.

Em nota divulgada ontem, a procuradora federal Ana Letícia Absy informou que as investigações "não comprovaram que o preso em São Paulo é membro da Al Qaeda".

A procuradora relatou, na nota, que o libanês foi alvo de um inquérito aberto pela PF com base em informações do FBI, o equivalente norte-americano da PF, "sobre a existência de um fórum fechado da internet, publicado em língua árabe, com mensagens discriminatórias e anti-americanas".

Em decisão contrária a um habeas corpus impetrado por K., o desembargador do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região Baptista Pereira citou, de modo genérico, que as investigações da PF vinculavam esse fórum da internet a "grupos como Al Qaeda".

"Consta dos autos que o paciente está sendo investigado pela Polícia Federal, na denominada Operação Imperador, originada de interceptações telefônicas, com a finalidade de investigar a existência de suposta organização denominada "Jihad Media Battalion", que propagaria material de cunho racista e de intolerância e discriminação religiosa pela rede mundial de computadores, internet, visando à incitação do ódio aos ocidentais e o fomento de ideologia antissemita, colaborando com grupos como Al-Qaeda", escreveu Pereira.

O advogado do investigado, Mehry Daychoum, disse que houve "uma completa confusão da Polícia Federal" e uma "precipitação". "O meu cliente não tem qualquer vínculo com qualquer organização paramilitar ou terrorista", disse.

"Ele [cliente] cometeu a infelicidade de emitir comentários na internet, jamais imaginando que isso pudesse ser crime no Brasil", disse Daychoum. Segundo seu advogado, K. "mora nos fundos de uma casa", tem um pequeno comércio e conserta aparelhos de informática.

Outros países

Na decisão que libertou K., o juiz Cassettari informou que o caso interessa a "autoridades estrangeiras". Ele fez crítica indireta à demora desses países em se manifestar no processo.

"Mesmo considerando que investigações feitas em outros países podem ainda estar em andamento (o que está totalmente demonstrado nestes autos), não pode a prisão deste feito ser mantida somente para sustentar ou auxiliar investigações estrangeiras, já tendo as autoridades estrangeiras 20 dias desde a prisão do investigado para as providências cabíveis", escreveu o juiz.

Em nota, a PF em Brasília informou que o libanês foi preso por suposta "propagação de mensagens com conteúdo racista pela internet. O estrangeiro foi indiciado no artigo 20, parágrafo segundo, da Lei 7.716/89 (crime de racismo). A PF não se manifestará sobre a investigação, que corre sob segredo de Justiça".

A PF pretendia mantê-lo preso por mais tempo, para aprofundar a investigação e conhecer o alcance de seus eventuais contatos estrangeiros.

No Brasil, não existe o crime de terrorismo. Assim, ainda que se comprove a ligação de um investigado com grupos extremistas, só poderá ser preso se praticar algum crime previsto na legislação nacional ou mediante algum pedido de extradição encaminhado por um país estrangeiro ao STF (Supremo Tribunal Federal).

A ideia da PF era expulsar K. do país, prática legal permitida quando um estrangeiro comete crime dentro do território nacional. Mas isso não foi possível porque ele é casado com uma brasileira, situação que proíbe a expulsão. (RUBENS VALENTE, ANDREA MICHAEL e LUCAS FERRAZ)


2 comentários:

PV disse...

Essa eu não sabia:

No Brasil, não existe o crime de terrorismo.

Vivendo e aprendendo.

Bruno disse...

Nariz, é difícil dizer sem acesso aos autos, mas tenho um palpite.

K. não foi _absolvido_, mas somente libertado da prisão preventiva. O processo, provavelmente, ainda está correndo, baseado na denúncia do MPF pelo crime de racismo. K. só deverá cumprir a pena após a sentença.

A prisão preventiva não existe a título de pena, mas de medida de segurança. A libertação do réu agora não quer dizer que não vá ser condenado, somente que não há perigo de que ele fuja ou coisa assim.

E que motivos existiriam para manter o réu preso? Estes diriam respeito ao crime de terrorismo, cuja denúncia, se é que houve, carece de justa causa, quanto mais por ser o crime atípico no ordenamento brasileiro. Se ele poderia ser extraditado por um crime que não existe aqui eu já não sei, mesmo que não fosse casado com brasileira. Pode muito bem ser que o caso caísse numa vala parecida com a do Battisti, pelo fato de "terrorismo" pode ser enquadrado na definição de "crime político", e ser a extradição portanto vedada pela lei do asilo político - mas aí levemos em conta que os EUA não são a Itália.