sábado, 19 de setembro de 2009

Próxima parada: século XX

Era de se esperar que os nossos ilibados parlamentares agarrassem, com unhas e dentes, qualquer oportunidade para tentar acabar com o anonimato na blogosfera política.


Impressiona é o número de jornalistas e articulistas comemorando o fato - ainda que alguns, como Fernando Rodrigues, em artigo de hoje para a Folha de S. Paulo, dêem tratos ao porongo para apontar a inviabiliade da coisa.

Daí que eu, quase sete anos de blog, fico aqui pensando de onde vem este problema dos jornalistas com o anonimato na blogosfera. Porque o problema - embora agora, por força das circunstâncias, esteja em evidência - não é novo.

Só para refrescar a memória: em novembro de 2005, Ricardo Noblat me convidou para ser articulista em seu blog - à época, hospedado no Estadão. Duas semanas depois, o jornalista Luiz Cláudio Cunha fez um artigo para o mesmo blog reclamando do meu anonimato. Noblat, então, deu razão à Cunha: ou eu me identificava, ou estava desconvidada. Desconvidei-me - com alguma seriedade e uma piada .

O episódio é emblemático do que agora, ao embalo de "reforma eleitoral", se volta a discutir. Porque me parece que boa parte da questão "jornalistas x anonimato na web" se explica pela sabedoria popular: eles, a grande maioria dos jornalistas e articulistas da política nacional, pegaram o trem com atraso e estão, até hoje, tentando descobrir qual é o destino.

A blogosfera política nasceu longe das redações dos grandes jornais. Foi só muito depois, quando os blogs tocados por anônimos já bombavam, que os jornalistas da área começaram a apostar na ferramenta. No Brasil não foi diferente. Quando Ricardo Noblat inaugurou seu blog, em 2004, a blogosfera política nacional já era uma realidade. Este blog, por exemplo, já existia. Assim como existiam o Lassaiz Fair, o Contra-Ilusão, O Indivíduo e todos os Wunderblogs - muitos deles discutindo política. A maioria optava pelo uso de pseudônimos. Verdade seja dita: muitos blogueiros eram jornalistas das mais diversas áreas que mantinham blogs sobre música, literatura cinema e política pelo simples prazer de escrever sem as amarras e o formalismo das redações.

Desempregado, Ricardo Noblat entrou, ele mesmo conta, intuitivamente nesta onda. E foi assim, intuitivamente, descobrindo aos poucos as particularidades do ambiente em que se metera, que construiu o primeiro grande blog de política assinado por um jornalista de renome do país. Até o episódio envolvendo a minha participação como articulista, Noblat jamais brigou com o anonimato. Defendeu o direito ao pseudônimo - e ainda o defende ao acolher, diariamente, comentaristas identificados tão somente por um apelido. Mas é inegável que sucumbiu à patrulha daqueles que, como Luiz Cláudio Cunha, chegaram depois e se sentiram incomodados com a realidade posta.

Uma revolução

Parece que a tal da "realidade posta" era nova demais e, porque incontrolável, perigosa demais. Quem era aquela gente anônima que escrevia, investigava, opinava, publicava, e ainda por cima, era lida?! Quem era aquela gente, que escrevia sem responder a patrão, editor ou patrocinador? Quem era aquela gente livre de amarras, que não queria fama ou grana, mas queria somente opinar?

Que me desculpe a classe mas é este ressentimento, fruto de uma descoberta tardia, de ter que correr muito para alcançar um fenômento, e da frustração de conviver em um ambiente onde as velhas regras das redações não podem ser aplicadas, que percebo em alguns artigos e comentários. Artigos como os de Clóvis Rossi, de Fernando Rodrigues e Reinaldo Azevedo que, a despeito do indiscutível sucesso alcançado na web - prova de que chegar mais tarde não condena o vivente ao fracasso - jamais escondeu seu incômodo com o uso de pseudônimos.

Há, também, aqueles que se mostram ressentidos com o anonimato na web porque, justificam eles, são diariamente achincalhados, ofendidos, agredidos verbalmente, por pseudônimos - contra os quais, alegam, "nada pode ser feito". Mais uma vez: a turma chegou tarde e tem dificuldades para entender o ambiente.

Blog, meus caros - e principalmente blog de política - não é coisa para quem tem pele fina. É preciso ter pele grossa. Pele grossa para ser achincalhado em praça pública. Ou pele grossa para fazer moderação, não deixar que caluniem você ou terceiros, e agüentar a fama de ditador. Podem escolher. É uma coisa ou outra.

Agora, se você não quer apanhar em praça pública, não quer correr o risco de ser processado por calúnias a terceiros, mas também não quer - por princípios ou dificuldades operacionais - moderar comentários, melhor saltar deste trem e voltar para o conforto e a segurança das redações. Lá, no século XX, onde nada se publica sem RG e CPF, é o seu lugar.

Não se preocupem, ninguém vai reparar. E depois, é melhor fazer isso do que se aliar aos piores tipos que a política nacional já elegeu para tentar, luta inglória, parar este trem.

21 comentários:

Luiz Veríssimo disse...

Nariz Gelado
Parabéns. Um raio-x perfeito dos nossos tempos atuais na blogosfera.
Luiz Veríssimo

Anôniomo, e ai? vão vir me pegar? disse...

Parabéns! Ótimo artigo, na veia!

Alê disse...

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Olá! :)

Conheci e comecei a acompanhar este blog recentemente e me surpreendi com a excelente qualidade de seus textos/opiniões.
É a primeira vez que comento por aqui.

Faço agora, apenas pela necessidade que senti de endossar esse post.

Uma das muitas maravilhas da internet, vêm precisamente da liberdade de se poder comentar qualquer assunto, sem se expôr.

O anonimato usado covardemente para atacar/achincalhar, sem argumentos consistentes (conhecido como trollagem), opiniões contrárias é execrável e deve sim, ser deletado sem dó.

Já, o "bom" anonimato, que é criado com o intuito de prevalecer uma opinião sólida, sem que a mesma se confunda com o dono, esse deve ser incentivado e incensado.

Alê
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Lefebvre Saboya disse...

Eu ainda fico um tanto irritado com alguns jornalistas blogueiros. Primeiro, porque eles nada entendem da blogosfera. Por mais que eu goste do Reinaldo Azevedo, o "blog" dele nem tem espaço para URL. Enfim, é um outro mundo. Saramago não agüentou. Isso sem contar aqueles escrevendo em blog como se fosse nota de jornal (alô dirceu, alô mão peluda).

E o Brasil é estranho. Grandes portais, como o Times, têm blogs. E mesmo assim os independentes ou anônimos são campeões de audiência. Já aqui, nem tanto. Igual a aparecer na TV, internauta brasileiro gosta mesmo é de comentar em portais. Veremos como será nessa próxima eleição. Mas não tenho grandes esperanças não.

Cristal disse...

Nariz!

Perfeito!!!!!!!!!!!!!

marcia1907 disse...

NG, você foi na veia. A grande questão é que o "poder da informação" sempre teve nas mãos da imprensa ou de governos fortes. A internet veio e "esculhambou" com o status quo. E o como o tempo, o número de blogueiros independentes se multiplicou de maneira potencial. As últimas eleições municipais veio comprovar a força da internet. Portanto, não é de se estranhar que jornalistas e políticos se aliem para tentar manter sob rédeas algo que lhe incomodam. Eles ainda não entenderam que a internet é indomável e incontrolável.

Blog de Um Brasileiro disse...

Simplesmente brilhante o texto.
Eu mesmo sou Anônimo com orgulho. Tenho a consciência de não caluniar ninguém, apenas "sento o pau" naqueles que tem a vida pública e falcatruas descobertas pela imprensa. Emito a minha opinião.
Tenho filhos e vivo em uma cidade em que a pistolagem velada ainda acontece. E por isso vou mostrar a minha cara para tomar bala? Não, não.
Orgulho-me do meu blog e dos meus leitores e seguidores. É um blog de uma pessoa comum que tem a capacidade de observar com crítica. A face aberta deixo para aqueles que tem no jornalismo uma meio de vida. Ganham para isso. Enquanto isso brinco de jornalista.
Um grande abraço e já está nos meus favoritos
Blog de Um Brasileiro

Anonimo disse...

Apoiado Nariz!
Até me entusiasmei e usei Anônimo de nick ;)
Essa sanha de controle e policiamento dá medo :(
Viva os anônimos!
Primeira vez usando anonimato aqui ó...mas te leio ha anos!
Beijocas

Ronaldo T disse...

Oi Nariz.

Não sabia da história sobre convite/desconvite, julgava aquele blogueiro um pouco mais independente e firme. Entrei bem tarde na onda de digerir blogs diariamente mas certamente o seu é um dos que acompanho desde o início.
A bronca é que seus(vossos) artigos são raros, o que os torna ainda mais preciosos.
Parabéns.

Mauro Framke Cappellano disse...

Só posso dizer que o anonimato tira 90% da credibilidade do que é escrito. E os outros 10% ficam à disposição de quem escreve divulgando sua autoria para se fazer uma palmatória.
Atualmente, criticar pontualmente, apimentando sem ofender, ainda é o melhor!
Eu coloco meu nome, pois quem lê o que escrevo, se quiser pode bater em minha porta, não estou nem aí.
Escrevo o que tem quer ser dito!
O governo me deve, os jornais me devem, e agora e até as eleições de 2010, eu vou cobrar!

PV disse...

Pessoas são pessoas. Não importa se na modernidade do jornal virtual ou na antiguidade do jornal de papel. E assim elas se revelam. Passam retas pelos tempos modernos. Nunca ouvi falar desse Cunha - ignorância minha, talves - mas leio você e o Noblat há muitos anos e devo "dizer" que depois desses anos, ainda me surpreendo com algumas atitudes desse grande jornalista que é o Noblat - mas que nem por isso deixa de cometer enganos as vezes apavorantes.
Um deles foi esse desconvite feito à você, somente por causa de um colega sem levar em conta o universo em que se encontrava. Tenho comigo que coicidencias não existem e que a tudo se aplica uma razão - inclusive, é claro, essa atitude do sr. cunha e que foi endossada por Noblat.
Sua atitude só faz comprovar que ainda existe bons motivos para que uma pessoa "brigue" por algo que acredite e estando dentro das regras.

voodoo disse...

Bom dia Nariz,

Passando para beijar a pedra,

abs

Porta Torta disse...

Prezada NG:
Esplêndido post!!!
Anonimamente 100 % apoiado!!!

Anonimamente 100% ("VÍRGULA"), APOIADO!!!
ANONIMAMENTE ("VÍRGULA"), 100% Apoiado!!!

Oliver disse...

PIMENTA NO ANONIMATO DOS OUTROS É REFRESCO.
Querida NG.
Esses jornalistas não nasceram ontem e sabem perfeitamente o que é viver num regime de exceção e ter suas liberdades individuais ameaçadas. E sabem também porque você e outros tantos tem que fazê-lo agora, apesar de parecer estarmos numa democracia.
Muitos deles tiveram que usar o anonimato para se proteger em algum momento de suas carreiras, seja por perseguições ideológicas, seja por questões éticas; trabalhando em mais de um veículo que não permita este tipo de expediente, ou ainda defendendo uns trocados a mais, escrevendo horóscopo sob pseudônimo, para não manchar suas respectivas reputações. Pura hipocrisia.
Essa gente defende o fim do anonimato dos outros, em benefício próprio. É a inveja movendo o mundo; eles também não sabem conviver com as dissidências. Como ninguém chuta cachorro morto, você, o Coronel e outros tantos blogueiros de sucesso representam uma ameaça real à carreira destes ilustres hipócritas; a ameaça do NOVO. Para estes senhores, uma concorrência quase desleal, pois é esta geração de novas cabeças, novos veículos e novas idéias que estará no poder em breve, ocupando o lugar destes ilustres candidatos à obsolecência. O contrário é que me espantaria; você consegue imaginar um desses presidentes de nossos poderes defendendo outra causa que não a sua própria e de seus apadrinhados ? ACORDA BRASIL !!!!

Marcos C. disse...

Oi Nariz
Lembro-me bem desse lamentável episódio com o LCC, perderam o Noblat e seus leitores, nós continuamos apreciando seus textos por aqui.
Um abraço.

Brasiliano disse...

Boa tarde a todos.A grande verdade é que hoje boa parte dos jornais perderam terreno por falta de credibilidade naquilo que escrevem,roubando do leitor aquilo que ele mais quer,que é a verdade pura e simples.Na internet,quem nao tem credibilidade nao vai longe,e nem tem leitores,podem sobrevier alugando a caneta como tantos ex jornalistas,mas nao tem futuro certo.Otimo post como sempre.

Nome Próprio disse...

Ufa! Nariz Gelado,foi um bálsamo para o meu espírito esse seu texto.Estou em meio a uma batalha defendendo o direito ao anonimato na internet.Ou melhor,defendendo a minha posição.
É um novo universo.E assusta.A bandidagem adora,mas os do bem,como nós,também.Há de se legislar a respeito.Mas como?

cachorro louco disse...

NG :Em linguagem simples isso significa "dor de cotovelo" ,pois esses caras estão comprometidos até o pescoço com o sistema vigente ,e temem que a blogosfera possa tira-los de suas confortáveis posições dentro das redações.Abraços

Sharp Random disse...

Objetivamente, o anonimato na web é o último bastião de resistência contra a capitulação final dos povos aos ditames dos loucos de todos os gêneros que pretendem impor seus pontos de vista no exercício das variadas formas de poder.

Um chavão, dirão alguns... é mesmo!
E não é por ser chavão que vai deixar de ser menos verdadeiro, CABAL!

Cabal.

Alesya Karas disse...

Importa mesmo se o nome do autor é o mesmo do escritor? Para mim só importa a mensagem e a credibilidade de quem escreve. Pouco importa se a pessoa se chama Cremilda e assina Camila. (Tive uma amiga assim no colégio).

Adalberto Braga disse...

Pô Nariz, assim eu já não gostei, não tinha nada que “abrir” que é professora, a não ser que seja uma pseudo-profissão escolhida a dedo só prá contrariar a turma do frauda ENEM / bula Popular. Onde já se viu professora pensar? E pensar logo sobre esses assuntos de jornalista?