sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Mestre-cuca esquece a receita de feijão-com-arroz

Me enviaram, ontem,  um link para uma dissertação de mestrado defendida, em 2008, na Universidade Federal de Minas Gerais. O autor é Ivan Satuf Rezende e o título "A emergência da rede: dinâmicas interativas em um blog jornalístico".

Rezende elegeu o Blog do Noblat como objeto empírico para "(...) compreender como o blog age simultaneamente sobre o trabalho jornalístico e as participações dos internautas que publicam comentários", etc e tal.

Tudo muito bom, tudo muito bem... Exceto que, ao falar deste blog e sua titular, Rezende comete alguns erros e omissões. E como dissertação é um trem que  fica para a posteridade, achei por bem esclarecer tais equívocos.

Vamos, pois, a eles.

I

(...) "Uma das maiores polêmicas do Blog do Noblat ocorreu com uma leitora que assina Nariz Gelado. Ela nunca revelou o verdadeiro nome, tem seu próprio blog sobre política e Noblat também a convidou a participar regularmente como colaboradora. O motivo era o mesmo que atraiu o jornalista em relação a Maria Helena Rubinato: Nariz Gelado escrevia bem e sempre participava das discussões com bons comentários. Mas a participação dela não durou mais que dois artigos". (...)

Errado. Foram três artigos: "O Chavismo entre Nós", "Sai o militante, chega o cidadão" e um terceiro, do qual falo mais adiante, cuja omissão - involuntária, quero acreditar - acabou por avalizar uma série de equívocos.

II

(...) "Não foi o dono do blog quem decidiu “rebaixa-la” novamente à condição de leitora. A derrocada teve início quando outro colaborador, um jornalista, decidiu questionar a assinatura de Nariz Gelado em um post publicado no dia 28 de novembro de 2005 ".(...) [ Rezende se refere a Luiz Cláudio Cunha, inserindo, após este parágrafo,  alguns trechos de seu artigo publicado naquela data no Blog do Noblat]

O erro aqui está em atribuir um poder que Luiz Cláudio Cunha jamais teria sobre um blog que não é seu - e me admira que alguém que esteja a dissertar sobre blogs não entenda que os mesmos, jornalísticos ou não, são absolutamente pessoais. Noblat poderia ter ignorado o artigo de Cunha. Se não o fez foi porque não quis. A decisão de, nas palavras de Rezende, me "rebaixar" à condição de leitora foi, sim, sem qualquer sombra de dúvida, do próprio Noblat. Com um adendo apenas: ele me deu a opção de revelar minha identidade e prosseguir como articulista. Como eu disse que preferia sair  - resposta que, desconfio,  Noblat já esperava - ele, e somente ele, acatou a minha decisão.

III

"Para se chegar ao veredicto de que Nariz Gelado não poderia mais escrever artigos, foi necessário que todos os três tipos de atores presentes no blog participassem do debate: o jornalista Ricardo Noblat, um colaborador (o jornalista Luiz Cláudio Cunha) e os leitores-comentaristas.(...) O caso foi levado à tona e “julgado” em poucas horas, sendo que e o dono do blog abriu o caso para debate e ponderou os argumentos antes de anunciar a decisão final que foi dirigida a todo o público leitor."

Não sei de onde Rezende tirou essa bobagem. Porque foram apenas três os "atores" envolvidos naquele debate.

Vamos repetir para que fique bem claro: assim que recebeu o artigo de Luiz Cláudio Cunha, Noblat fez contato comigo, me enviou o texto e perguntou se eu aceitaria abrir minha identidade para prosseguir como articulista. Respondi que não e decidimos, eu e Noblat, que eu faria um artigo de despedida, a ser publicado juntamente com o de Luiz Cláudio Cunha. E foi exatamente assim que aconteceu. Este artigo de despedida, intitulado "Papo em Off" é exatamente o meu  terceiro artigo para o Blog do Noblat, cuja existência Rezende parece desconhecer.

Ou seja: no dia 28 de novembro de 2005, quando Noblat publicou, na mesma hora (às 11:44 o meu e às 11:47 o de Cunha), ambos os artigos,  a decisão já estava tomada. O caso jamais foi "julgado" pelos comentaristas, o dono do blog não "abriu o caso para debate"  e muito menos "ponderou argumentos antes de anunciar a decisão final".

Naquele dia, foi  apresentado aos leitores um fato consumado: um  post no qual  Noblat anunciava os dois artigos e a minha despedida (aqui). Os leitores opinaram muito sobre o tema - é verdade. Mas jamais houve espaço para que eles participassem da decisão. Ela havia sido tomada dias antes.

Isto significa que o episódio nunca, nem mesmo em um trabalhinho do ensino médio,  poderia servir de exemplo para comprovar que "o jornalista de fato dá importância para os debates travados no interior do blog" ou, ainda, que "as conversas entre os participantes e as opiniões dos colaboradores são realmente levadas em conta nas decisões que influenciam os rumos do blog", como quer Rezende. Há inúmeros exemplos de que tais coisas são importantes para o Blog do Noblat. Mas o episódio que me envolve, definitivamente, não é um deles.

O que me espanta é que todas estas distorções da realidade tenham aparecido numa dissertação que era requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Comunicação Social - e  que não se tenha respeitado, ali, um princípio básico do jornalismo: o fato. Tivessem, mestrando e orientador, lembrado de fazer o feijão-com-arroz do jornalismo - entrevistar os envolvidos, por exemplo - o desastre seria menor.

9 comentários:

henrique lima disse...

Estavam mesmo interessados em acabar com o seu anonimato, Nariz Gelado. Nem me importo em saber sua real identidade, mas a única coisa que me deixa curioso, é saber se você é aquela moça do banner do topo.

Que graça!

Marco disse...

Salve, Nariz!

Meu comentário é totalmente off-topic, mas pergunto: você pretende postar textos sobre as eleições voltados ao público catarinense? Nossa cobertura blogosférica anda pequena e todas as visões são bem-vindas.

Porta Torta disse...

NG: o que conheço de bancas é fruto da convivência com pai orientador e participante de inúmeras bancas e com irmãs que são mestres e doutoras, mas posso afirmar que existe um tal de "boneco da tese" a ser apresentado preliminarmente para correções, a defesa propriamente dita, e as correções, complementos e supressões exigidas pela banca quando aprova o candidato com ressalvas. Katzo, cadê a mínima expertise desse orientador para evitar que seu orientado "comesse bola"?!? Na Federal de Minas é assim, passou, tchau e benção para as possíveis correções?!?
Aqui em Sampa, as dissertações de mestrado e as teses de doutorado passavam a fazer parte do acervo das bibliotecas da Instituição que abriga o curso a elas relacionado APÓS as devidas correções aprovadas pelo responsável pela banca (pelo menos era assim na USP, será que já avacalharam isso também?) Será que agora as bancas fazem vista grossa às correções para aumentarem o número de teses por ano e se vangloriarem desses índices fajutos para mais verbas de pesquisa, em um círculo vicioso de aumento de sua produção acadêmica, como diria, "anabolizada"? NG, nem precisamos responder...mas vc está certíssima em ordenar que a verdade seja restabelecida!

Moita disse...

Nariz

Esses atuais cursos de comunicação não estão nem mais ensinando o básico, Como o fato, a ética, a clareza e etc.

Tem um conterrâneo seu que arranha, mesmo que de leve, esse assunto:

"A Coisa

A gente pensa uma coisa,
acaba escrevendo outra
e o leitor entende uma terceira coisa...
e, enquanto se passa tudo isso,
a coisa propriamente dita
começa a desconfiar que não foi propriamente dita."

Mario Quintana.

Moita disse...

Ou seja, Os estudantes aqueles não entenderam nada do que se passou e nem do que foi dito. rsss

1 cheiro

Voodoo disse...

Essa briga de bastidores é terrível,
Parece que só o inimigo é que ganha, gostaria ,muito de
mudar de lado, infelizmente tenho que continuar essa luta
inglória, assim são os fatos.
Parabéns ao Coronel pela louvável iniciativa, temos ainda
alguma chance.
Abs

narizgelado disse...

Marco,

Falo de política estadual às vezes, Marco.
A última vez foi em outubro, quando o quadro estava bem diferente do que está hoje ( aqui http://narizgelado.apostos.com/2009/10/05/surpresa-na-aldeia/). Voltarei ao tema, com certeza. Mas sem perder de vista que apenas 10% da minha visitação é de Santa Catarina. O blog é, desde a sua criação, há sete anos, focado em política nacional. O que não me impede de dar pitacos em poitica local e internacional quando me dá a louca. :)

Robbiate disse...

NG,

Gosto do teu estilo,cristalino,transparente e de uma objetividade invejavel.
Continue assim!

Falhas nos argumentos sobre emergências de redes: um estudo de caso « De Gustibus Non Est Disputandum disse...

[...] fevereiro 24, 2010 Falhas nos argumentos sobre emergências de redes: um estudo de caso Posted by claudio under Uncategorized Leave a Comment  Eis um caso interessante: sujeito me faz uma pesquisa científica de levantamento de dados, mas esquece o principal dado. [...]