domingo, 25 de abril de 2010

Sobre bons marqueteiros

Já notaram que, nos últimos anos, o marketing político virou uma espécie de fonte de todos os males para a política nacional? O marqueteiro político, então, virou um mágico ilusionista, sobre cujos ombros gente supostamente inteligente costuma jogar a culpa de ter votado mal. É tão forte a carga negativa do termo que a maioria dos marqueteiros políticos passou a detestar ser chamado assim.

É claro que boa parte deste ódio é culpa do Duda Mendonça. Depois que o consagrado marqueteiro de Lula apareceu numa CPI dizendo que fora pago pelo PT mediante uma conta do exterior o termo ficou, para usar a expressão de um marqueteiro amigo meu, "radioativo".

Na verdade, o episódio da CPI foi a cereja do bolo. Bem antes disso, durante a campanha presidencial de 2002, quando Duda nos apresentou aquele Lulinha-paz-e-amor, marqueteiro político virou sinônimo de embusteiro. Primeiro para a oposição que logo acusou a inexistência daquela versão soft do torneiro mecânico. Depois para boa parte dos eleitores de Lula - aquela esquerda festiva que acha que artista é aquele que vai onde o povo está e outras baboseiras românticas - e que se sentiu ludibriada quando estouraram os primeiros escândalos do governo Lula.

Uma origem mais remota poder ser apontada também na eleição de 1989: Fernando Collor foi o primeiro presidente brasileiro eleito na era do marketing. A coisa terminou mal e, já naquela época, se apontava para a perversidade desta figura, o marqueteiro político, que nas palavras dos críticos mais suaves "vive de iludir o eleitor". E, aqui, vale um parêntese para observar que a acusação não era totalmente original: os publicitários - classe de onde, usualmente, nascem os marqueteiros políticos - sempre foram vistos como aqueles caras que "vivem de iludir o consumidor".

É um senso comum que só se sustenta porque ainda é forte a crença - nascida no alvorecer do marxismo - de que ambos, eleitor e consumidor, podem ser iludidos, manipulados, moldados ao bel prazer de quem sabe apertar os botões certos. Como quase tudo o que habita o universo do senso comum, esta também é uma meia-verdade.

Comunicação, a ponta mais visível do marketing, é, sim, uma arte muito poderosa. Mas para dar razão a esta crença, a gente teria que jogar no lixo todas aquelas constrangedoras reuniões em que publicitários (os honestos, pelo menos) se viram obrigados a avisar aos seus clientes: "meu filho, o seu produto é uma bosta. Ou você muda o produto ou não há propaganda que o salve". E isto é coisa que acontece com muita freqüência.

Também seria preciso jogar fora todos os bons estudos acadêmicos sobre emissão e recepção de mensagens surgidos nas últimas cinco décadas. Não vou chatear vocês com um desfile teórico. Mas saibam que há muito já não se tem os receptores como amebas passivas. Comunicação não é hipnose. Se você ainda acha que é, deveria se perguntar por que não basta aos regimes totalitários ter o controle dos meios de comunicação de massa - por que todos eles precisam recorrer à violência para sobreviver?

Se é verdade que comunicação e marketing podem muito, também é verdade que não podem tudo. Não podem, em primeiro lugar, prescindir de verossimilhança. É por isso que Duda Mendonça jamais tentou fazer de Lula um intelectual. Isto não colaria. Duda apresentou Lula como um homem do povo, que pensava nos pobres - qualidades que o senso comum já lhe atribuía. Em 89, Chico Santa Rita não tentou fazer de Collor um operário. Isto não colaria. Chico apresentou Collor com um jovem abastado, dinâmico, disposto a expulsar os marajás do poder, moralizar e modernizar a nação - coisas que já lhe atribuíam.

Nenhum marketing, nenhuma estratégia de comunicação, funciona sem verossimilhança. Sem um ponto de verdade que possa - aí, sim! - ser reforçado, exaltado e embalado para presente, qualquer campanha fracassa. Em comunicação, mentira deslavada é receita de fracasso.

É por isso que a pesquisa mais importante antes de começar uma campanha é a qualitativa. Ali, o marqueteiro descobre quais são as qualidades positivas - que são as que vão conferir verossimilança ao candidato e ao discurso. E como ele descobre isso? Perguntando ao eleitor. Ou seja: no marketing de sucesso, e no marketing político em especial, a mensagem é construída em conjunto com o receptor - e não criada fantasiosamente pelo marqueteiro para ser enfiada pela goela de um indefeso eleitor.

E mais: bons marqueteiros políticos sabem que candidatos não são produtos. Não dá para propor mudanças radicais. Aperfeiçoar aqui e ali, tudo bem. Mas, no geral, o que se faz é colocar uma lente de aumento sobre aquilo que a opinião pública já percebe como qualidade positiva no candidato. Para as qualidades negativas, pode-se optar em não debater com elas - deixá-las quietas - ou, no caso de se mostrarem preocupantes, combatê-las.

Em 1989, havia boatos sobre Fernando Collor cultivar hábitos poucos saudáveis. Chico Santa Rita colocou seu candidato para correr, praticar esportes radicais, etc e tal. Em 2002, Duda Mendonça tratou de mostrar Lula cercado de intelectuais para amenizar a imagem de incapacidade que tentavam colar nele. Ou seja: um político até aceita pequenos retoques para amenizar pontos de fraqueza evidenciados pelas pesquisas qualitativas...

Mentiras? Não. Collor gostava mesmo de atividades físicas - foi só ligar a câmera. E, diferentemente do que sugeriu Fernando Gabeira - que qualificou a coisa como embuste ao desembarcar do governo - Lula era mesmo apoiado por parte da intelectualidade nacional. Natural pensar que governaria com eles - mais uma vez, foi só ligar a câmera. A própria imagem do Lulinha-paz-e-amor era uma verdade se considerarmos que em 2002 ele parou de brigar com todos, esqueceu os 300 picaretas e fez, durante a campanha, alianças antes inimagináveis.

Há marqueteiros políticos que mentem? Com certeza. O fato é que dificilmente eles vencem eleições. Também há, como em todas as áreas profissionais, os que topam qualquer negócio - grana fria, jogadas baixas, dossiês, falcatruas - por dinheiro.

Mas vamos deixar uma coisa bem clara: se você, ao longo da campanha de 2002, não parou para pensar no que significava a aliança de Lula com PL de Valdemar da Costa Neto, a culpa não é do Duda Mendonça, ok? Você pode fazer muitas críticas ao Duda Mendonça - menos seguir acreditando que ele lhe vendeu uma mentira.

Da mesma forma eu espero que o eleitor da Marina Silva não culpe os marqueteiros da candidata no futuro. Profissionais, os caras apenas fizeram uma qualitativa e descobriram que “não ter marqueteiros” e parecer “natural como a floresta“ - abrindo mão, inclusive, de artifícios como a maquiagem - são pontos de força da candidata; coisas que explicam porque parte do eleitorado vota nela. Coisas que já foram devidamente exaltadas e embaladas para conquistar mais votos.

9 comentários:

Rogério disse...

Excelente texto, querida. Um beijo.

Mário disse...

É. Análise objetiva e didática. O foco, pelo que entendi, se bem, é o aumento do foco de qualidades pré-existentes e a síntese para entendimento rápido do público. É prá praticar. Valeu.

O Editor! disse...

Parabéns, NG!

Esse texto, mais do que política, fala de lógica e percepção. E, sinceramente, essas são duas qualidades que faltam demais em nosso país.

E triste ver que as pessoas não só não conseguem encadear três ou quatro fatos de forma lógica paraformar um pensamento, mas pior: muitas vezes não conseguem nem enxergar quais são os fatos.

Pelo menos temos pessoas como você que tentam espalhar um pouco de conhecimento por aí...

Beijos,
O Editor!

Rose disse...

Excelente análise NG.

nelson disse...

mas nem maquiagem da natura?

[]'s

paulo araújo disse...

NG

Muito boa análise. A verossimilhança é, digamos, o elemento racional, objetivo, empírico, concreto, verificável, isto é, o elemento efetivo a partir do qual o marqueteiro planeja o trabalho. Como você bem anotou, se o produto é uma bosta, não há mágica ou hipnose capaz de torná-lo um sucesso.

Se você for continuar a análise em outros posts, gostaria de entender melhor como o elemento irracional (o que se diz comumente ser a “emoção”) interage com o elemento racional (verossímil)nesses casos de campanha política. Somos seres racionais e a maioria das nossas escolhas são mediadas pela razão. No entanto, em muitas situações agimos por impulsos ou estímulos emocionais ou irracionais, pondo em segundo plano, ou mesmo desconsiderando, a mediação racional.

Até onde sei, quem primeiro aliou os elementos racionais e irracionais com grande sucesso foi Duda Mendonça, na campanha de Maluf para prefeitura de SP em 1992. Maluf venceu Suplicy (jingle: “A gente não tem nada contra o Suplicy. A gente só não quer mais o PT mandando aqui.”). A logomarca da campanha do Maluf era formada por quatro corações que unidos remetiam para a imagem de um trevo de quatro folhas. O lema da campanha era “Boa sorte, São Paulo”.

O que você escreveu sobre verossimilhança aplica-se perfeitamente à campanha vitoriosa de 1992. Não entro em detalhes para não alongar o comentário.

A novidade trazida por Duda Mendonça foi a comunicação eficazmente embasada na emoção. Ele ativou um tipo de comunicação que não passava necessariamente pela mediação racional do receptor. No entanto, também não descuidou do elemento racional, do verossímil e empiricamente verificável, que era o passado do engenheiro Paulo Maluf, o grande tocador de obras. A questão ética (ele rouba) foi subsumida no verossímil “Ele fez, ele faz”.

Nesse sentido, Duda soube muito bem “apertar os botões certos”. Profissionalmente, isso o projetou no mercado nacional.

Se interessar, encontrei um link com vídeos da campanha de 1992. Vale a pena olhar, comparar e analisar em contraposição com a campanha de Lula em 2002.

http://fr.truveo.com/video-detail/case-paulo-maluf-campanha-prefeito-1992-duda-mendona/2209694327

Abs.

narizgelado disse...

Paulo, quero mesmo falar de emoção. Assim que tiver tempo. Por enquanto, fica apenas uma observação: "seres racionias" é o que somos. Mas algumas das decisões mais importantes da nossa vida são tomadas com base no emocional.

narizgelado disse...

Nelson, há um estilo de maquiagem chamado "nude". Bases fluídas, corretivos, sombras beges e batons claros criam a impressão de que não se está maquiada. Entendeu? Melhora a aparência e mantém o estilo naturalllll. ;)

Oliver disse...

NARIZ

Seu texto, como sempre, é irretocável. Democracia é uma loja de doces. Não te impede de experimentar um doce ruim. Aprende a saborear quem quer. A sociedade tem o direito e o dever até de experimentar novos sabores e novas formas. Sempre é bom lembrar que este governo foi anunciado como o "doce certo" daquele momento, embora já estivesse estragado. Elegeu-se sob a bandeira da ética na política a vai ser defenestrado pela mesma causa que atirou no lixo. O eleitor não é bobo. Há uma regrinha muito útil de se observar em propaganda: Nem todo produto que tem uma comunicação de primeiro mundo é de primeiro mundo; mas TODO produto de primeiro mundo tem uma comunicação idem. Condição necessária mas não suficiente. As urnas vão ensinar esta amarga lição aos imbecis, pode esperar. Esperamos todos.