A preocupação com a educação - em especial, a educação política do eleitorado - é irmã gêmea do sufrágio universal. De Montesquieu a Tocqueville, não houve teórico da democracia moderna que pregasse uma coisa sem a outra.
Mas como o sistema democrático tende a avançar primordialmente pela inclusão cada vez mais ampla de participantes - e somente depois pela implantação dos meios de aperfeiçoamento do sistema em si - chegamos a um ponto em que tornam-se evidentes as conseqüências do direito ao voto do analfabeto, garantido a partir da Constituição de 1988: segundo dados do TSE, dos 126 milhões de eleitores aptos a votar em outubro de 2007, cerca de 24% eram analfabetos ou sabiam apenas ler e escrever. O índice sobe para 68% se forem computados os que não tinham o 1º grau completo e para 74% se considerarmos os chamados analfabetos funcionais - aqueles que não têm a menor noção do funcionamento dos mecanismos políticos.
Conclui-se, pois, que os destinos do Brasil estão sendo decididos por uma maioria de ignorantes políticos. Talvez eles o estejam fazendo mediante aquela "capacidade natural" defendida por Montesquieu. Inegável, porém, que o número de candidatos envolvidos em corrupção eleitos ou reeleitos no último pleito nos faz especular sobre a real existência desta faculdade - ou, no mínimo, da existência daquele um ambiente de informação, debate e conhecimento público, que o teórico francês defendeu como pré-requisito indispensável à democracia.
Uma vez que o sufrágio universal, com base nas novas tecnologias e nos novos meios de comunicação de massa, tenha aberto mão da alfabetização como condição para o exercício da democracia, é praticamente impossível cogitar um retrocesso. No Brasil, em especial, o desleixo governamental para com a educação pública - principalmente aquela do ensino fundamental e médio - colocou-nos numa situação tal que é igualmente inviável pensar numa mudança de quadro para os próximos trinta anos. Com muito empenho e sorte, uma política educacional séria levaria pelos menos duas décadas e meia para reflertir-se nas urnas. E bem sabemos quão longe estamos desta possibilidade.
Se não é possível uma mudança radical e rápida no quadro educacional, talvez a solução seja fazer avançar mais uma vez a democracia.
Comecemos encarando corajosamente uma primeira verdade: boa parte destes 68% de analfabetos funcionais não compareceria às urnas se não fosse obrigada a tanto. Acabar com o voto obrigatório seria, portando, uma forma rápida de resolver parte da questão: afastar das urnas todos aqueles que - a analfabetos funcionais ou não -não se interessem por política.
O risco é que a saída venha a gerar mais alienação e exclusão social. Nos Estados Unidos, determinados segmentos sociais abrem mão, de forma cada vez mais progressiva, do exercício democrático máximo. Na outra ponta, os políticos passam a privilegiar com projetos e iniciativas somente aqueles que comparecem às urnas. Não é, claro, o que queremos. Nosso desejo democrático, já dissemos, vai sempre no sentido da inclusão.
Novamente, a solução pode estar em fazer avançar mais ainda a democracia e romper, numa só tacada, com Montesquieu, Tocqueville e Thomas Jefferson: além de acabar com o voto obrigatório, deveria-se acabar também com a inelegibilidade dos analfabetos. Por um lado, mediante o convite à representação política, se estaria neutralizando a força excludente do voto facultativo. Uma vez convocados a participar efetivamente da política, agora não mais como massa passiva, os analfabetos - sejam eles totais ou funcionais - teriam um estímulo a mais para se interessarem por política. Por outro lado, estaríamos fazendo jus a uma realidade democrática posta: se essa gente pode opinar, deve poder participar ativamente do processo.
Radical, a medida exigiria alguma adaptação: caberia às assessorias dos parlamentares analfabetos, por exemplo, a leitura e a redação dos textos. Mas não se pode afirmar, só por isso, que os resultados seriam mais desastrosos do que já o são atualmente - tome-se como exemplo votação recente, na qual os acusados de crime hediondo ganharam, por distração dos nosso parlamentares, o direito a liberdade provisória e se verá que não há motivos para temer o ingresso de parlamentares analfabetos no quadro político nacional.
4 comentários:
Zoião verde, este artigo vai deixar os políticos de cabelo em pé. ré,ré,ré.
Grande artigo, Nariz. Tem que publicar em algum jornal. Abs do Aluízio Amorim
NG
Também concordo com o voto facultativo.
Votar é um direito.
Paralementar analfabeto fica mais difícil. O que você diz tem lógica até mas...
NG,
Realmente acho que os nossos Paralamentarmos devem ser escolhidos pelo povo na forma de identificação. Votamos em quem defende nossas idéias e em quem pensa como pensamos. Todavia isso não pode ser levado até o limite, pois sabemos que qualquer coisa em excesso é nociva.
Então o que temos que fazer é aumentar o grau de exigência para que as pessoas entrem na política, e não diminuir. É bizarro pensar que por termos parlamentares analfabetos (que supostamente defenderão os direitos de outros analfabetos), o povo será melhor representado. Não será! Quantos político profissionais temos por aí que simplesmente querem continuar na política para ter foro privilegiado e para ganhar um salário de parlamentar (que para muitos políticos nada ou quase nada significa)? Então imagine que você dê o mesmo salário para quem o considere uma fortuna! Alguém sem instrução, que chamará (por medo, respeito ou ambos) a todos de "doutô" e que abaixará a cabeça para as velhas raposas da política... Como isso pode melhorar a representatividade popular?
A forma de melhorar é sempre a mesma, seja com relação à população, aos políticos, aos policiais, aos professores: Educação. Gente inteligente, culta, estudada, que tenha uma boa formação. É esse tipo de gente que melhorará o Congresso.
Simplesmente a exigência de uma formação superior para aqueles que elaborarão as leis e ditarão os caminhos do país (assim como para os cargos do Executivo), faria com que, a título apenas de exemplo, não tivéssemos o desprazer de ver pupular em nossa política, pessoas como Lula, Severino Cavalcanti, Luciana Genro, Paulinho da Força, Vadão Gomes, etc.
Qualquer país que se preza deseja ser liderado e comandado por sua elite. Não necessariamente a elite financeira, mas sim pela elite intelectual do país. Se indicamos um analfabeto para o poder, qual será o interesse dele em se alfabetizar? Qual vai ser a intenção dele em investir em educação? Qual é a mensagem que ele está passando para a população, senão que estudar é besteira e qualquer um pode chegar a chefiar o Parlamento ou mesmo o País sem precisar nem saber ler?
Todas as empresas buscam os melhores para preencher seus quadros, e o melhor dentre esses para comandar a empresa. O exército seleciona, dentre os recrutas, os melhores para que façam um curso e se tornem oficiais, para comandar os demais. Porque seria diferente com o Poder Público? Não deve ser diferente!
Democracia é o regime onde a maioria decide o que será feito, através de um voto que é dado a uma elite (os políticos), para que esses comandem o País.
Porque exigimos até o ensino médio completo para nossos garis, se para ser presidente não precisa de estudo nenhum, ou para ser parlamentar você pode até ser um analfabeto funcional?
Onde está o erro nisso? Em exigir do garí no mínimo o ensino médio completo, ou não exigir dos políticos grau (no mínimo) semelhante?
Beijos,
O Editor!
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