quarta-feira, 27 de maio de 2009

Continuo confusa

Leia, primeiro, o post anterior, que traz a matéria da Folha de S. Paulo sobre a prisão de um suposto membro da rede Al Qaeda.

Depois, volte e confira estes trechos da nota emitida pelo Ministério Público Federal - cujo link foi postado aqui no blog ontem à noite:

1) A Polícia Federal recebeu informações do FBI sobre a existência

de um fórum fechado da internet, publicado em língua árabe, com mensagens discriminatórias e anti-americanas. A PF tinha a informação de que parte dos conteúdos eram postados a partir do Brasil;

2) Após a quebra de sigilo telemático, foi confirmado que um

cidadão de origem árabe, residente no Brasil, era o moderador do fórum e que este poderia estar ligado a algum grupo terrorista;

(...)

8) A investigação apontou que o fórum era organizado e possuía

estatuto e que nada era publicado sem autorização do homem preso, entretanto não há indício de que esse grupo integre ou tenha praticado qualquer ato de uma organização terrorista. Não foram apreendidas armas, documentos secretos, planos, etc;

9) O MPF entende como deplorável o material publicado pelos

integrantes do fórum e, por meio do Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos, atua há anos contra crimes contra os Direitos Humanos na internet, como os crimes de ódio. Tais mensagens de incitação à violência, ódio a americanos e intolerância religiosa, continuam sob análise do Ministério Público Federal, de forma serena, em busca da verdade real dos fatos e da correta aplicação dos pressupostos de um Estado Democrático de Direito.

Me parece que este caso - talvez pelo sigilo imposto - está bastante confuso.

Pois se, como afirma o MPF, "após a quebra de sigilo telemático,foi confirmado que um cidadão de origem árabe, residente no Brasil, era o moderador do fórum" e se "a investigação apontou que o fórum era organizado e possuía estatuto e que nada era publicado sem autorização do homem preso" - conteúdo que, notem bem, o MPF qualifica como "discriminatório" e "deplorável" - pode-se concluir que a dúvida reside quanto ao suposto envolvimento com a Al Qaeda, mas não quanto ao caráter discriminatório do conteúdo e ao nível de responsabilidade do preso sobre o mesmo, certo?

Tanto é assim que, segundo a matéria da Folha de S. Paulo, a PF de Brasília emitiu nota informando que o homem preso foi "indiciado no artigo 20, parágrafo segundo, da Lei 7.716/89 (crime de racismo)".

O próprio advogado do preso parece não discordar da coisa ao declarar, à Folha de S. Paulo: "O meu cliente não tem qualquer vínculo com qualquer organização paramilitar ou terrorista. Ele [cliente] cometeu a infelicidade de emitir comentários na internet,jamais imaginando que isso pudesse ser crime no Brasil"

Agora, peço a ajuda dos senhores juristas para entender o seguinte: racismo não é crime inafiançável? Mesmo diante de um indiciamento, a pessoa pode ser liberada?

Já se vê que não entendo lhufas de leis. Por isso pergunto. Porque, a grosso modo, me parece que o homem em questão poderia ser liberado após os 20 dias porque, como afirma o juiz Alexandre Cassetaria, à FSP, "não pode a prisão deste feito ser mantida somente para sustentar ou auxiliar investigações estrangeiras". Pergunto é se ele, diante de um indiciamento por racismo não deveria permanecer detido.

Notem que estou a fazer peguntas. É que gostaria de entender o motivo de toda esta confusão. Porque a confusão é visível, queridos. Ou não haveria sigilo, notas desencontradas e um Lula furioso com o vazamento do caso.

2 comentários:

paulo araújo disse...

NG

Não sou jurista.

Sobre a tipificação do crime de racismo:

Manifestações de discriminação em razão da origem, raça, etnia, sexo, orientação sexual, cor, idade, crença religiosa ou outras formas de preconceito são consideradas atividades criminosas. Estes crimes estão tipificados no art. 241 da Lei Federal n.º 8.069/90 e no art. 20 da Lei Federal n.º 7.716/89.

A PF indiciou o cidadão estrangeiro no artigo 20 parágrafo 2º da Lei 7.716/89 (Lei Caó).

Se a PF indiciou, deve-se concluir que a investigação reuniu provas suficientes para tanto. O que não é certo é se o indiciado tem vínculos com a Al Qaeda. Ao que parece, a PF investigava (ou ainda investiga) indícios de vinculação, tanto é que até o momento a PF não deu a público nota definitiva sobre os supostos vínculos. Portanto, a pergunta que devemos fazer ao executivo federal é sobre a continuidade da investigação. Com a palavra o ministro Genro.

Enfim, o que não sabemos é se a PF continua ou não a investigação sobre os vínculos. Pelas declarações do presidente Lula e do ministro Tarso Genro, eu penso que não se deve descartar a hipótese da PF sob pressão do executivo federal para engavetar ou esfriar a investigação. Considerando ainda o histórico de vazamentos à imprensa com origem na PF, também não se deve rejeitar a hipótese do vazamento ter origem nacional, ao contrário do que disse Lula.

Encontrei o texto da lei Caó em um blog:

Art. 20 - Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. * Art. 20 com redação dada pela Lei n° 9.459, de 13/05/1997.
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
§ 2º - Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: * § 2º com redação dada pela Lei n° 9.459, de 13/05/1997.
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

http://www.nen.org.br/7716.htm

Também estou confuso quanto ao fato do crime ser inafiançável e imprescritível. Na origem de tudo está a emenda à Constituição, apresentada em 12/01/1988 pelo Constituinte Carlos Alberto Caó:

“Como a prática do racismo equivale à decretação de morte civil, urge transformá-lo em crime”.

O que foi acima é parte da justificativa da emenda que deu origem ao artigo 5º, XLII, da Constituição. Reza o artigo:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Abs.

O Editor! disse...

NG,

Então vamos por partes:

1.- Quanto à ação penal:
1.1.- Para ser investigado por um crime, é necessário que haja índícios da existência do crime;
1.2.- Para ser denunciado por um crime (entrega da denúncia pelo MP para o judiciário para que seja aberta a ação penal), é necessário haver ao menos a prova de existência do crime e indícios da autoria.

2.- Quanto ao crime de racismo:
2.1.- Por ele ser imprescritível, quer dizer que a punibilidade do seu agente não desaparece pelo decurso do tempo. Ou seja, mesmo que o criminoso saia e fique fora do país por 20, 30, 50 anos, ele ainda poderá ser processado por ele. O mesmo ocorre com os crimes de tortura e de terrorismo;
2.2.- Por ele ser inafiançável, significa que, uma vez preso um indiciado, ele não poderá ser solto PAGANDO FIANÇA. Todavia a legislação brasileira não permite que se mantenha um acusado preso antes do fim do processo penal, a menos que seja em caso de prisão preventiva ou prisão temporária (não vem ao caso explicar esses institutos). Com isso, um crime que seja inafiançável simplesmente significa que não se pode exigir fiança do indiciado antes de soltá-lo. Solta-se sem exigi-la (infelizmente é isso mesmo).

Abraços,
O Editor!